spoiler visualizarTháh 22/02/2021
Escrevi a resenha abaixo para a matéria de Literatura Brasileira II do curso de licenciatura em Letras.
Antes, porém, gostaria de fazer um adendo: a leitura do livro, até quase a metade, um pouco antes, é meio massante, não flui bem, talvez pelas descrições e papos de fazenda, algo até meio distante da gente, pouco emotivo. Talvez esse tom apático combine com o caráter de Paulo Honório, personagem narrador de sua história na fazenda. Depois disso, o enredo toma fôlego. Enfim, segue a resenha descritiva com um breve comentário ao final.
"S. Bernardo, segunda obra de Graciliano Ramos, foi publicado em 1934 e é um importante romance do movimento modernista, cuja narrativa, ambientada no interior do nordeste brasileiro, expõe conflitos sociais e possui uma linguagem mais próxima da língua falada.
O romance, dividido em 36 capítulos, é narrado em primeira pessoa por Paulo Honório, que escreve em forma de carta-memória, relatando fatos de sua vida, com um tom um tanto quanto confessional.
Nos primeiros capítulos nos é apresentado como o livro foi concebido: Paulo Honório queria um livro sobre sua vida, mas pretendia delegar a tarefa da escrita a outrem, haja vista seu pouco interesse pelo mundo das letras e a praticidade de deixar para quem dela se entendesse. Assim, junto de seus amigos Padre Silveira, João Nogueira, Arquimedes e Lúcio Gondim, cada um incumbido de uma função, o livro seria escrito de acordo com a sua história e lançado apenas com o nome de Paulo Honório na capa. Essa divisão de trabalho proposta pelo protagonista gerou conflitos entre os participantes, uma vez que cada qual fez à sua maneira.
Desta forma, Paulo Honório assume a tarefa por completo. Decide então que de fato é melhor ele mesmo ser o autor de sua história, até porque há fatos de sua vida que não conviria contar a ninguém – especialmente aqueles tão próximos. No entanto, ainda se questiona no porquê de escrever aquelas linhas, das quais muitas se perdem, gasta-se tempo e folhas. Qual o motivo de sentar-se e escrever? Para que se escreve?
Passado por esses capítulos metalinguísticos, os quais já nos revela algumas características de seu narrador, Paulo Honório se apresenta, se descreve e conta brevemente sobre seu passado. Um homem simples, mas ambicioso, prático e sagaz. E então a história de fato começa ao narrar sua volta às terras alagoanas, objetivando se estabelecer e adquirir a propriedade S. Bernardo, onde trabalhou quando novo.
Não resta dúvida que sua falta de instrução do mundo das letras e político é compensado pela sabedoria e prática da vida na fazenda e ardilosidade para tratar de interesses particulares. Assim, o inescrupuloso Paulo Honório adquire a tão desejada fazenda por um preço baixo de Padilha.
Nos capítulos seguintes Paulo Honório narra sobre os cuidados com a fazenda, sobre seus mandos e desmandos, expondo-se, para nós leitor, a toda sorte de julgamentos. Rude com seus funcionários, não esconde que os maltrata e não lhes paga o devido, os vê como máquinas ou bichos, negando-lhes até assistência médica, sob justificativa de despesas desnecessária.
Suas relações sociais também recebem tratativas práticas e frias, como por exemplo a sua relação com o vizinho Mendonça, o qual, em razão de desentendimento por esbulho possessório, acaba morto. Não obstante, Paulo se vê então no dever de proteger as mulheres Mendonça.
Dentre as desavenças sociais e os cuidados na fazenda, Paulo Honório decide se casar. E mais uma vez seu caráter prático e frio é exprimido: não pretende casar-se por estar apaixonado, apenas o deseja por querer ter um herdeiro para cuidar da fazenda. Assim, sem nem ter sequer pretendente, inicia essa jornada, idealizando a mulher ideal.
Acaba por se interessar por Madalena, que não necessariamente é tal como idealizada. As visitas feitas a ela não são românticas, sequer é demonstrado interesse em conquista-la. Mas Paulo Honório admite interessar-se por ela, bem como de gostar de conversar com ela. E assim, sem grandes festejos ou rodeios, Paulo Honório a pede em casamento, expondo a praticidade do acordo nupcial: ela, professora, receberia bem mais do que o ordenado que recebia, viveria bem e ele teria uma companheira. E assim, Madalena aceita casar-se com ele, mas deixa claro não sente amor, e ele concorda: se ela dissesse haver amor, ele não acreditaria, e ademais, algo sério como um casamento não se pode ser decidido pelo amor. A data do casamento é proposta para dali um ano, mas Paulo Honório discorda, seja pela praticidade ou seja pelo impulso, sentimento novo em seu íntimo, aduz que um vestido se faz em vinte e quatro horas e “negócio com prazo de ano não presta”.
O casamento é um divisor de águas na trama da vida de Paulo Honório. Madalena e sua tia D. Glória começam a interferir na vida da fazenda e a exigir coisas. Madalena, boa em demasia, como Paulo Honório diz, passa a reprovar suas relações com os funcionários e tenta protege-los e auxilia-los, bem como dar despesas com materiais desnecessários aos trabalhadores, e D. Glória, com o seu “falatório”, passa a distraí-los. É preciso, então, colocar cada qual em seu lugar, e isso Paulo Honório sabe fazer: só falar mais alto, se impor. Resolvido.
Mas as conversas continuam... Madalena se afasta. E mesmo tendo um filho para cuidar, opta por ficar conjurando com Padilha e seu Ribeiro. E de ímpeto, surge o ciúme. Paulo Honório torna-se carrancudo, mal humorado e desconfiado. Sua ordem foi desestabilizada, sua fazenda não é mais como antes, sua vida cai num espiral de desgraças, Paulo Honório em rompantes de ciúmes, tem brigas ferrenhas com sua esposa, a qual passa a dirigir palavras duras e retruque, tenta refugiar-se nos afazeres da fazenda – que também o estressa e deixou de dar lucros. Madalena, cansada após uma última briga, se suicida. E os trabalhadores de sua fazenda resolvem se demitir.
As inquietações que Madalena causou no intimo de Paulo Honório é explicita em trechos do livro em que o narrador alude ouvi-la para cuidar dos trabalhadores. Madalena provocou uma mudança significativa no âmago de seu marido. Embora a narrativa seja do ponto de vista do personagem protagonista, podemos admitir que Madalena suportou um casamento e uma administração da qual não concordava, e o seu grito de liberdade foi através do suicídio, o qual foi, pelos indícios do livro, planejado de antemão, uma vez que escrevia uma longa carta destinada à Paulo Honório, cujas folhas se perdeu ao vento, e que também foi um dos motivos das brigas, quando seu marido apanhou trechos no chão e, indignado, a acusou de traição.
A história demonstra as diferenças sociais e o poder e controle sobre o outro, alude ao self-made man através da ascensão social do personagem principal, que passa então a explorar aqueles que estão na mesma situação em que já esteve, sob o pretexto de que é suportável tais mazelas, bem como se encontram naquela situação porque querem, por não se esforçarem e serem preguiçosos. Nesse mesmo sentido, repudia as ideias comunistas que Padilha e também Madalena aduzem, por crer tratar-se de assunto de quem quer a vida fácil. É um livro, portanto, critico às mazelas sociais que embrutecem o ser humano, retirando dele a empatia.
Paulo Honório, duro e ardiloso, um homem de seu meio, com tantas marcas da desgraça que assola tantos outros por aí, conseguiu conquistar uma posição social confortável, administrar uma fazenda, ter funcionários para gerir e um casamento, mas tudo maquinalmente. Diante de muitos erros, que ele tenta justificar pelos seus fins, escreve para tentar não desculpas ou defesa, mas, talvez, uma rendição, para responder a esposa morta, para justificar seus atos e as mortes que causou, para compreender o seu próprio fim sozinho. Daí a razão para que escreve, questionado nos primeiros capítulos."