Claire Scorzi 28/03/2021
Seco. Contido. Poderoso.
Tivesse eu ainda entusiasmo, faria um vídeo disto. Não tendo mais, vai esta resenha que como sempre ficará aquém do livro.
Li São Bernardo na juventude; Embora reconhecendo mérito ao autor, vi frieza e distância na forma de narrar. Passaram-se anos. Fiz as pazes com Graciliano através de "Angústia", que continua meu favorito.
Porém reler depois de mais de vinte anos "São Bernardo" foi uma surpresa.
Primeiro: no dia que comecei, havia tentado começar outros livros: tudo soando pretensioso, fraco; eu mal passava das páginas iniciais. Aí peguei São Bernardo e veio a primeira alegria: antes da página 20, estava fisgada. Escrita seca, ágil, sem firulas e sem adornos, sem pretensão alguma - e poderosa. O que os outros autores - 3 ao todo - não tinham conseguido, Graciliano fez sem demora: me conquistou, me ganhou cativa para a sua história.
Que é uma grande história. De um 'made self man' brasileiro, Paulo Honório, que resolve contar sua vida. Há de tudo: violência, paixão, ciúme, ódio, revolta, ambição, desencanto, corrupção, reflexão sobre si e a vida, até sobre o ato de escrever. Acho que Lúcia Miguel Pereira tinha certa razão em ver um defeito no romance no fato de ser tão bem escrito - sendo o 'autor' um protagonista pouco instruído que se assume como autor do que lemos. Ao mesmo tempo, a força do livro é tal que passamos por cima desse defeito. É grande. É forte. Poderoso, como disse. Mergulhamos com Paulo Honório em tudo que nos conta, ao seu lado mesmo quando em desacordo com ele (e há muito com que discordar, aliás).
Não dei 5 estrelas por duas coisinhas que me incomodaram, e aqui, um aviso - darei spolier para explicar (não leia se não quiser saber detalhes do enredo):
- O suicídio de Madalena. Sendo ela uma pessoa boa, generosa, compassiva, só pode estar se matando porque o marido a maltrata grandemente. Aí, ela se suicida, mas - se era ela tão boa pessoa, não pensou no filhinho bebê que abandonava ao marido violento? Não teve escrúpulo de deixar nas mãos de Honório a criança indefesa?
- A referência feita por Paulo à carta deixada pela esposa destinada a ele. Graciliano não achou necessário citar sequer um trecho dessa carta, que seria tão importante para entendermos o ato último de Madalena, nós, leitores, mesmo que o marido não entendesse - Paulo só diz que a carta traz umas palavras difíceis que ele não entende. Seria este o propósito de Graciliano, deixar que nós imaginássemos a dita carta? Não sei. Pode ser, mas deu-me certa frustração.
Fim do spoiler -
Nada disso muda o fato de estar-se diante de um grande romance, decerto um dos nossos maiores. "Angústia" continua meu favorito. Mas, agora, "São Bernardo" não me fala de um escritor frio, mas sim artista, contido e seco e sutil naquilo que não diz, só insinua ou nos deixa especular. Grande.