spoiler visualizarLeonardo 22/09/2012
Eugênio Pontes é o nosso personagem principal e é marcado desde a infância pelos preconceitos da sociedade em relação à pobreza, em que vivia e da qual não consegue se libertar. Primeiro uma pobreza material, depois uma pobreza interior. Tornando-se, quando adulto, uma pessoa infeliz e constantemente insegura. Enquanto criança nunca se orgulhou do pai, um alfaiate pobre que trabalhava muito, mas que só conseguia trazer para casa pouco mais do que dívidas. Por este homem que o colocou no mundo, nunca conseguiu nutrir sentimentos. Na sua casa nunca faltaram valores, educação, comida e estudos, porém a roupa faltava e Eugênio tinha de andar vestido com calças surradas o que lhe envergonhava diante dos amigos. Dadas as condições em que vive na sua infância, Eugênio impõe um objetivo de vida: formar-se e sair da pobreza. Um dos objetivo é alcançado, o outro não e a sua frustração continua.
Eugênio ama Olívia, sua colega de faculdade. No entanto, procura a sua felicidade fora da pobreza casando com Eunice. Na sua mente junta o útil ao agradável, Eunice é rica e bonita logo pode (no seu pensamento) proporcionar o complemento do seu objetivo: uma vez que já está formado, agora pode também ser rico e “logicamente” feliz. Quando finalmente pensa que tem tudo, vê que afinal não tem nada e então a sua vida se torna um lamento entediante para si e para os outros que o rodeiam. É que Eugênio nem procura felicidade no que tem, faz questão de enaltecer o que não tem e fazer disso um novo lema de vida: pensar na sua infelicidade, pensar no seu passado e no quanto poderia ter sido feliz com Olívia.
A maneira como o romance se inicia é bastante cativante e até “inquietante” pela curiosidade com que ficamos. Há uma chamada para o Dr. Eugênio, avisando de que Olívia vai morrer e quer falar com ele. É durante a viagem que Eugênio faz de sua casa ao Hospital que recorda (em flashbacks) toda a sua infância e juventude inclusive todo o seu amor por Olívia. Assim, a primeira parte do livro vai alternando entre presente e passado.
Só quando sente a morte a rondar Olívia é que tem a certeza da felicidade e da segurança que aquela mulher que tanto ama e amou traz e continua a trazer.
Olívia é a paz, a segurança e o amor seguro e tranquilo. Um amor que só dá e nada pede em troca. Aliás, pede/impõe apenas à pessoa amada que seja confiante e segura de si.
Durante a sua vida de estudante universitário, embora mantivesse um relacionamento amoroso com Olívia, preferiu acreditar por puro egoísmo que a colega não o amava, apenas o consolava nas suas crises. E isto tudo por quê? Porque ficando com Olívia não poderia desfrutar das riquezas materiais da vida, “apenas” poderia ter um amor sincero, desfrutar de paz e alegria, mas nunca de bens materiais e posição social e isto não fazia parte dos planos do nosso médico. Assim, casa com Eunice e o sofrimento começa após poucos meses de casamento. Ele casa para ascender socialmente, ela casa para o salvar da pobreza. Os seus lamentos são longos e, em minha opinião, um pouco excessivos.
O passaporte que o faz mudar de rumo na vida é a sua filha, que teve com Olívia. Mas se nota que esta mudança ainda veio a muito custo e após muito pensar. Afinal ia ser novamente o médico dos pobres. No entanto, com a sua filha descobre que os bens materiais (são importantes mas…) não passam de acessórios da vida e que o amor sincero por si e pelos outros são o caminho para a felicidade. Em todo o romance Erico Veríssimo mostra a importância e influência das relações humanas no nível positivo e negativo, bem como a importância das opções e a complexidade que elas acarretam no ser que opta.
Neste romance há algo que é mencionado várias vezes e acho que até propositadamente: o “Megatério”. Eu diria que representa o elemento máximo do materialismo neste romance. É um edifício pomposo que parece olhar todos de cima para baixo, ignorando sentimentos e valores, assim como aquele que o construiu.
Dora é filha do dono do Megatério, e é apaixonada por um judeu. Ama-o com muita firmeza, entregando-se na paz e na tranquilidade dos seus sentimentos acabando por engravidar. Através deste casal o autor mostra-nos os sentimentos que o povo daquela época nutria por esta “raça” que considerava “maldita”. Assim, a infelicidade ou a vergonha instala-se por momentos nesta família. Pois Dora morre após ter feito um aborto imposto pelo pai da criança. Este tem consciência das dificuldades de integração que a criança terá. As dificuldades que ele também tem em se movimentar numa sociedade que não se esquece de debilitar os judeus.
Simão tal como Eugênio toma uma decisão egoísta, não pensa nas consequências dos seus atos, apenas no resultado final e Dora acaba morrendo com uma hemorragia.
Os pais choram a filha, mas cedo encontram conforto no seu Megatério e nos futuros projetos.
Mais uma vez os personagens são vítimas das suas opções, Simão quase enlouquece e o Dr. Eugênio fica remoendo a culpa de não ter salvo Dora.
Este é um grande romance, um romance que vale a pena ler, pois Erico Veríssimo vai às profundezas do ser, tocar- na “ferida” e por em evidência que normalmente o homem sabe que decisões tomar, mas que também normalmente opta sempre pelas opções erradas. “Quando as tenta remediar o resultado já não é o mesmo”.