Fernanda631 06/12/2022
O amor nos tempos do cólera
O amor nos tempos do cólera foi escrito por Gabriel García Márquez, ou apenas Gabo, e foi publicado em 1985.
A inspiração para o autor foi justamente a história de amor entre os seus pais. O avô de Gabriel García Márquez não permitiu que aquele que viria a ser seu pai namorasse sua mãe, e mandou a filha para uma viagem para que ela esquecesse o admirador e amado.
Entretanto, o pai de Gabo era telegrafista e conseguiu organizar uma rede nos correios que, onde sua amada chegasse, ele era avisado e conseguia lhe mandar um telegrama. Claro que essa idéia foi apenas o ponto de partida para o escritor colombiano que completou o resto da história com todo o seu talento como ficcionista.
Com a história situada em Cartagena, na Colômbia, O Amor nos Tempos do Cólera fala exatamente de um grande amor que sobreviveu durante décadas, mesmo não sendo correspondido. A obra é recheada de contradições e desigualdades, entre guerras civis, crises econômicas e de saúde pública – esta última especialmente atravessada pelo surto da cólera. Eram tempos difíceis, tempo da cólera.
A cólera é uma doença que marcou a Colômbia, principalmente no século XIX, quando um surto matou mais de mil pessoas. Mas a doença é apenas um pano de fundo. Esse é um livro sobre o amor em que o escritor faz relação da doença com o amor. Há um trecho em que um homeopata faz seu diagnóstico dizendo: “Os sintomas do amor são idênticos aos da cólera”.
O amor nos tempos do cólera é aquele romance que você começa a ler despretensiosamente e de repente encontra-se tão envolto pela narrativa que é impossível não continuar. O autor retrata em uma escrita sonora, sensivelmente impecável, o mal-estar do amor ideal em meio a um cenário tão inseguro quanto a própria subjetividade humana.
Esse amor é o amor de Florentino Ariza, um rapaz simples que se apaixona perdidamente por Fermina Daza, quando ele tem apenas 19 anos e ela 13 e que passa a direcionar tudo na sua vida para um dia em que ele possa ficar junto com o grande amor da sua vida, mesmo, como eu já disse antes, sem ser correspondido por ela. Dizendo dessa forma, seria um livro do romantismo, mas García Márquez vai dar características a esse amor, como uma loucura mansa, divertida, sem escorregar para o romantismo enjoativo. Enquanto espera por Fermina, Florentino vive muitas experiências sexuais, trabalha e toca sua vida. Não fica chorando e bebendo em um bar como um personagem do romantismo.
Já a personagem de Fermina, dividida entre o amor de dois homens, o próprio Florentino e o médico Juvenal Urbino, tem algumas características que também não são das heroínas do romantismo. Fermina é forte, decidida e até um pouco misteriosa, sem contar que parece ser submissa, mas no fundo, só faz o que quer.
O que é genial no livro é que, mesmo falando de um tema batido como é o amor, Gabo consegue ser muito, mas muito original. Talvez por lhe ser um tema muito querido. Certa vez, em entrevista, ele disse que nunca escreveu nenhuma linha que não fosse sobre o poder e, principalmente, sobre o maior e mais poderoso de todos os poderes que é o amor.
“O amor nos tempos do cólera” conta a história de três personagens principais: Florentino Ariza, Fermina Daza e Juvenal Urbino. A grosso modo, o enredo se desenvolve a partir das recordações do casal Fermina e Juvenal, já idosos. São mais de 50 anos de lembranças.
Dr. Juvenal Urbino ao voltar para casa, encontra um grande tumulto por conta do papagaio de estimação que sumiu, quando o Dr. o encontra em cima da árvore e vai tentar pegá-lo, cai da escada e acaba morrendo. A morte desse personagem causa uma comoção na cidade, visto que, era uma pessoa muito querida por todos e foi importante para o desenvolvimento do município. No dia do velório passamos a conhecer Florentino Ariza (personagem já citado), um senhor mais ou menos da mesma idade dos dois, que se mostra imensamente solicito nos preparativos e desenvolvimento do evento. Quando todos vão embora Florentino Ariza pede a mão de Fermina Daza em casamento.
Isso mesmo ele pede a mão da viúva em casamento o dia funeral de seu marido.
Esse pedido, que a princípio nos causa tamanha estranheza, é o ponto de partida de uma narrativa que vai desenvolver cinquenta e um anos, nove meses e quatro dias de amor. Florentino Ariza, Fermina Daza e Dr. Juvenal Urbino, são os personagens principais desta trama de encontro e desencontros, eventualidades e arranjos do amor e da indiferença.
Em ordem cronológica, tudo começa quando Florentino, a serviço dos correios, vai entregar uma carta na casa de Lorenzo Daza e conhece a filha Fermina. O jovem se encanta com a moça e a partir daí começa a cortejá-la com cartas imensas, super românticas e encontros surpresas. Os dois estão apaixonados, porém o pai dela não aceita que ela namore um mensageiro. Então a menina é mandada para a casa de uma prima, distante e ele ainda ameaça Florentino.
Quando a garota volta, ao reencontrá-lo, percebe que o que havia entre eles era uma ilusão e, sem explicações, diz que não quer mais nada. Florentino sofre como um homem apaixonado deve sofrer, mas nunca esquece aquele sentimento.
Sob suspeita de cólera, Fermina recebe a visita do Dr. Juvenal Urbino, que se apaixona pela beleza da moça. Mesmo que a princípio ela não demonstre interesse, eles acabam se casando e tendo vários filhos. Florentino permanece esperando o dia em que ficará com sua amada. Quando jovem, ele havia prometido se manter fiel (não ter relações sexuais com outras mulheres) ao amor de Fermina, porém, por um “acidente”, ele descobre os prazeres da carne, mas no fundo, ele sempre foi puro para aquela relação.
Mesmo com anos de casada, Fermina não supera essa história. A dúvida de como teria sido a atormenta, às vezes. E é claro que Florentino se apaixona por outras mulheres e sofre quando elas partem, mesmo nunca esquecendo Fermina, apesar de ter relações com varias outras mulheres ao longo de sua vida. Acho que, quando o sentimento é muito intenso, a gente nunca supera por completo o que passou.
Florentino Ariza acaba se tornando aristocrata que se torna administrador de frotas marítimas no litoral da Colômbia. Os dois se conhecem ainda muito jovens, no entanto uma série de eventos traumáticos para ambos os distanciam. De um lado, a mulher escolhe esquecer Florentino Ariza e, do outro, Florentino Ariza continua a nutrir sua paixão adolescente pela imagem cristalizada que criou de Fermina Daza. A narrativa acontece na dialética que gera a síntese do encontro, desencontro e reencontro entre o casal. Os personagens tem por volta dos 70 anos.
A lição sobre amar nos Tempos de Cólera é a da riqueza da imaginação humana em alimentar esperança apesar do pessimismo das situações, bem como a estranheza em aceitar a realidade crua, tal como ela se impõe. Escancara nossa necessidade de dar sentido às coisas, e em meio a erros, acertos, miséria, soberba, desejo e luxúria.
No desenvolvimento dessa história, me peguei várias vezes pensando em como o Florentino era vítima desse amor. A verdade é que nós, seres humanos, somos seres tão complexos que categorizar as pessoas por violões e mocinhos é conceber uma leitura reducionista da vida e das escolhas. Gabo vai colocar no papel exatamente o que compõe a vida, nem sempre justa aos nossos olhos, nem sempre aquela romântica do “felizes para sempre”, mas sempre a tangível, a autêntica, ou seja, a vida real. E como é incrível encontrar isso na literatura.
Ler Gabriel García Márquez não é fácil. É denso! É o tipo de leitura que talvez não dê para pescar tudo de primeira e não dá para você sair imune, sem se concentrar! Mas a minha dica é se jogar! As descrições e o detalhamento tornam tudo mais crível e transbordam sentimentos. Podemos imaginar cheiros, texturas, feições, cores e até a temperatura – que sem dúvidas vai ser escaldante. Tudo de uma forma poética e apaixonada.