Paulinho 31/05/2013
“Ser, é ser percebido. E assim, para conhecer a si mesmo só é possível através dos olhos do outro. A natureza de nossas vidas imortais, está nas consequências de nossas palavras e ações, que vão, e estão se esforçando à todo instante.” Frase Cloud Atlas
O Homem Duplicado escrito por um dos meus autores favoritos, José Saramago, é uma viagem sobre a identidade e a auto-percepção. Não a toa começo com a frase supracitada. O professor de História, Tertuliano Máximo Afonso, vive só. E possui uma rotina inalterada por anos, mas após assisti a um filme (Quem Porfia Mata Caça) e descobrir que um dos atores secundários é igual a ele, ele começa uma jornada de autoconhecimento e identidade.
O Homem Duplicado é seu espelho, leva-o a pensar como poderia ter sido sua vida, há aqui o medo e a curiosidade. O romance possui 316 páginas e foi publicado em 2002. A foto de capa sugere a duplicação do DNA.
Usando esse enredo, Saramago aborda temas interessantes e importantes tais como cinema, relacionamentos, identidade, sociedade e outros, vejamos alguns trechos:
Sobre os efeitos especiais do cinema.
“Tal como vejo e entendo, os tais efeitos especiais são o pior inimigo da imaginação, essa manha misteriosa, enigmática, que tanto trabalho deu ao seres humanos inventar, Meu caro, você exagera, Não exagero, quem exagera são o que querem convencer-me de que em menos de um segundo, com um estalido de dedos, se põe uma nave espacial a cem mil milhões de quilómetros de distância, Reconheça que para criar esses efeitos que você desdenha tanto, também se necessita imaginação, Sim, mas é a deles, não é a minha, Sempre terá a faculdade de usar a sua começando do ponto aonde a deles tinha chegado, Ora, ora, duzentos mil milhões de quilómetros em lugar de cem, Não esqueça que o que chamamos hoje realidade foi imaginação ontem, olhe o Júlio Verne, Sim, mas a realidade de agora é para ir a Marte, por exemplo, e Marte em termos astronómicos até se pode dizer que está ali ao virar da esquina, são necessários nada menos que nove meses, depois haverá que ficar lá à espera mais seis meses até que o planeta esteja de novo no ponto óptimo para se poder regressar, e finalmente fazer outra viagem de nove meses para chegar à Terra, total, dois anos de suprema chatice, um filme sobre uma ida a Marte em que a verdade dos factos fosse respeitada, seria a mais enfadonha estopada que alguma vez se viu.”
O Homem Duplicado - José Saramago - 316 páginas - Companhia das Letras. 1º Intervalo da página 09 a 25. Página 13-14.
Questionamentos
“Serei mesmo um erro, perguntou-se, e, supondo que efectivamente o sou, que significado, que consequências para um ser humano terá saber-se errado. Correu-lhe pela espinha uma rápida sensação de medo e pensou que há coisas que é preferível deixá-las como estão e ser como são, por que caso contrário há o perigo de que os outros percebam, e, o que seria pior, que percebamos também nós pelos olhos deles, esse oculto desvio que nos torceu a todos ao nascer e que espera, mordendo as unhas de impaciência, o dia em que possa mostrar-se e anunciar-se, Aqui estou.”
O Homem Duplicado - José Saramago - 316 páginas - Companhia das Letras. 2º Intervalo da página 27 a 42. Página 28.
A Vida
“Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros, e que, para a maioria, é só um dia mais.”
O Homem Duplicado - José Saramago - 316 páginas - Companhia das Letras. 2º Intervalo da página 27 a 42. Página 32.
"Sabendo que a única coisa que dura toda a vida é a vida, o resto é sempre precário, instável, fugidio, a mim o tempo já me ensinou essa grande verdade."
O Homem Duplicado - José Saramago - 316 páginas - Companhia das Letras. 4º Intervalo da página 61 a 75. Página 68.
Culpabilidade
“Às vezes pergunto-me se a primeira culpa do desastre a que este planeta chegou não terá sido nossa, disse, Nossa, de quem, minha, sua, perguntou Tertuliano Máximo Afonso, [...] Imagine um cesto de laranjas, disse o outro, imagine que uma delas, lá no fundo, começa a apodrecer, imagine que, uma após outra, vão todas apodrecendo, quem é que poderá, nessa altura, pergunto eu, dizer onde a podridão principiou, Essas laranjas a que esta a referir-se, são países, ou são pessoas, quis saber Tertuliano Máximo Afonso, Dentro de um país, são as pessoas, no mundo são os países, e como não há países sem pessoas, por elas é que o apodrecimento começa, inevitavelmente, E por que teríamos tido de ser nós, eu, você, os culpados, alguém foi, [...].”
O Homem Duplicado - José Saramago - 316 páginas - Companhia das Letras. 2º Intervalo da página 27 a 42. Página 39.
"Erramos não por que fosse esse o nosso propósito, mas por que o erro se confundiu com um traço de união, com uma cumplicidade confortável, com a piscadela de olho de quem cria saber do que se tratava só porque outros o afirmavam."
O Homem Duplicado - José Saramago - 316 páginas - Companhia das Letras. 5º Intervalo da página 77 a 91. Página 84.
“O melhor caminho para uma desculpabilização universal é chegar à conclusão de que, por que toda a gente tem culpas, ninguém é culpado.”
O Homem Duplicado - José Saramago - 316 páginas - Companhia das Letras. 2º Intervalo da página 27 a 42. Página 39-40.
A Linguagem
“Aquilo a que certa literatura preguiçosa chamou durante muito tempo silêncio eloqüente não existe, os silêncios eloqüentes são apenas palavras que ficaram atravessadas na garganta, palavras engasgadas que não puderam escapar ao aperto da glote.”
O Homem Duplicado - José Saramago - 316 páginas - Companhia das Letras. 4º Intervalo da página 61 a 75. Página 68.
Não posso escrever muito sobre este livro, pois ele é ao mesmo tempo filosofia e suspense o final é impensável. Li em frenesi, apaixonado, angustiado e em êxtase. Tornou-se um dos meus livros favoritos de José Saramago.
O que você faria se encontrasse alguém exatamente igual a você?
"Olharam-se em silêncio, conscientes da total inutilidades de qualquer palavra que proferissem, presas de um sentimento confuso de humilhação e perda que arredava o assombro que seria a manifestação natural, como se a chocante conformidade de um tivesse roubado alguma coisa à identidade do outro."
O Homem Duplicado - José Saramago - 316 páginas - Companhia das Letras. 13º Intervalo da página 213 a 224. Página 217.
Sentiria raiva? Medo?
"Rancor, Sim, rancor, você disse ainda não há muitos minutos que se tivesse uma arma me mataria, era a sua maneira de declarar que um de nós está a mais neste mundo, e eu estou inteiramente de acordo consigo, um de nós está a mais neste mundo e é pena que não se possa dizer isto com maiúsculas, a questão já estaria resolvida se a pistola que levei comigo quando nos encontrámos estivesse carregada e eu tivesse a coragem de dispará-la, mas já se sabe, somos gente de bem, temos medo da prisão, e portanto, como não sou capaz de o matar a si, mato-o de outra maneira, [...]."
O Homem Duplicado - José Saramago - 316 páginas - Companhia das Letras. 17º Intervalo da página 271 a 287. Página 278.
Saramago sempre trabalha com "SE" e se um homem encontrasse seu duplicado? A resposta? Ou as possíveis respostas, estão em O Homem Duplicado de José Saramago. Boa leitura, espero que você nunca encontre um duplo.