Ju Correia 30/05/2023
Quem te ensina sobre o amor?
Eu terminei esse livro séculos atrás e esqueci de fazer a resenha, perdão. Vocês viram nos posts anteriores que eu tive muita dificuldade de entender se eu estava entendendo a obra de Mário de Andrade, mas no final cheguei a conclusão que sim, eu meio que entendi. O livro trata sobre a história de Elza, uma "governanta" alemã de 35 anos, que na verdade foi contratada pela família Souza Costa para iniciar a vida sexual do seu filho homem, o Carlos. Considerando que Carlos tem apenas 15 anos, é bem assustador. Mas o que Mário queria mesmo era chocar, não sendo atoa que a obra foi considerada pela crítica da sua época como modernista. Dizem que Mario foi inspirado pelas teorias de Freud para embasar o tema e o conteúdo do seu livro sendo uma delas a teoria que uma iniciação sexual serena pode garantir a um jovem uma vida adulta madura e a constituição de uma família, mesmo que ele seja apenas uma criança, rs.
Ao longo da narrativa, o pai, Souza Costa mostra porém que seu interesse não é apenas que o filho perca a sua virgindade e tome uma "atitude de homem", pelo contrário, o pai começa a almejar que o filho se apaixone e tenha o seu coração partido pela primeira vez, porque de acordo com ele, é isso que vai prepará-lo para lidar com as mulheres interesseiras que ele vai cruzar no futuro da sua vida. O livro faz a gente encarar também os pensamentos dualistas e as crises que Elza tem, pois ao começar a sentir uma certa medida de carinho por Carlos, ela pensa até mesmo em abandonar sua função, mas foca no seu objetivo maior que é regressar para Alemanha, visto que ela considera tanto a sua nação, os seus costumes e o seu povo superiores a tudo que há no Brasil.
Esse livro não é de leitura fluída nem simples, visto que ás vezes a cronologia se confunde, e a linguagem se mistura entre o que conhecemos do formal da época, e, como o próprio autor afirma: "A língua que a terra deu a ele", ou seja, a linguagem informal. Mas uma vez que você pega o ritmo e entende o que está se passando no livro, fica mais fácil seguir leitura.
Ao final do livro, Elza e Carlos são separados e isso é o que finalmente torna Carlos um "homem" de verdade. É irônico. Na vida real, não somos iniciados no amor, e ainda bem. Imaginem uma vida onde alguém é pago para fingir que tem um interesse real em você, fazer você se apaixonar e depois propositalmente quebrar seu coração para que você esteja preparado para a vida? Bom, eu sei que falo por mim quando digo que, ter o coração partido naturalmente me transformou muito mais em quem eu sou hoje. Afinal, acho que não devemos tentar "tomar" ou "prever" as lições que a vida vai nos ensinar no caminho. Mas Mário de Andrade cutucou a sociedade da sua época com um romance escrito com a linguagem do povo, que satirizou também o amor que o brasileiro tinha pelos Alemães -e estrangeiros no geral- mostrando como esses povos tinham asco da elite brasileira independente dos seu status social, seus costumes nunca chegariam aos pés sequer da pobreza Alemã, por exemplo. Cabe aqui também um elogio ao autor pelo nome da obra, afinal, verbos intransitivos não pedem complemento, mas quem ama, ama algo ou alguém, sendo assim amar um verbo transitivo. Mais uma vez, se mostrando um dos pioneiros do modernismo do Brasil, Mário comete transgressão até mesmo no título da sua obra. Mas há algo poético nisso especificamente, e que fique claro, isso é interpretação minha: amar é um verbo transitivo porque quem ama precisa amar algo ou alguém, ele precisa de um complemento, mas a ação de amar, por si só, não gramaticalmente falando, já tem o sentido completo, obviamente que vamos amar alguém, mas o amor existiria independente daquela pessoa, o sentimento é intransitivo, ele existe e já está em nós e não a espreita de alguém para que faça sentido. Amar já faz sentido sozinho, é verbo intransitivo. Ninguém nos ensina a amar, a gente nasce sabendo. Ninguém nos ensina como agir quando temos nosso coração partido, a gente aprende na raça. E não é sofrer de amor que nos transforma em excelentes adultos e que nos faz querer construir um futuro e uma família, é o contrário. É viver de amor que nos move. É nos movimentarmos que faz com que amemos sempre, e amemos tanto.
No mais, vale a pena a leitura. Vou dar 4 de 5 estrelas porque a pesar de saber que a arte serve para nos chocar, fiquei realmente muito balançada com a pedofilia acontecendo no livro... Embora a intenção do autor possa não ter sido normalizar tal ato e sim criticar, não muda o fato que é estranho e desconfortável. Mas se você conseguir separar isso com mais facilidade que eu, pode se jogar na leitura que fará bem.