Agnes 16/02/2017
“Aquele que desperdiça seu tempo na dor, rouba a si mesmo.”
Como distinguir o bem e o mal? Essa era uma das grandes características do Teatro Shakesperiano; por meio de personagens da realeza e das classes mais necessitadas, o dramaturgo revelava o melhor e o pior do ser humano. Em Otelo, vemos a transição de um personagem nobre, honrado, digno a um homem cego pelos ciúmes, violento, preconceituoso, perturbado...
A tragédia sendo como o nome diz, perpassa o caminho do homem para o seu declínio. Desnuda a partir do seu interior ações perversas, discorridas de pensamentos baseados em suposições e não em fatos, acarretando ao drama final o grande clímax pertencente à obra.
Otelo, além de negro, fato relevante que estabelece um dos temas tratados no texto como o preconceito da época, é um personagem forte, intenso, honrado que luta a favor do governo Veneziano. Ao estabelecer uma amizade com Brabâncio, senador e pai de Desdêmona, uma figura característica da nobreza, a quem criará laços de amizade e assim concretizado em casamento, traz um dos primeiros conflitos à obra, pois ao se casar sorrateiramente, incita o ódio no pai de Desdêmona:
“Ah, seu ladrão infame, onde escondeu minha filha? Maldito que é, deve tê-la enfeitiçado! [..] se é possível que uma donzela tão doce, bela e feliz, tão avessa ao casamento , sofresse o ridículo público fugindo de minha guarda para o seio cor de fuligem de uma coisa como você que deveria ser temido e não amado?”(pg 31)
Brabâncio ao citar “seio cor de fuligem” e referir-se ao casamento como um “feitiço” revela traços importantes da época que caracterizavam o Mouro como um ser exótico, advindo de outra classe social, e por ser assim, o casamento com a nobreza branca era algo impossível.
Logo, ao ser descoberto, Otelo conta aos presentes como conquistou sua esposa. O personagem relata que a partir da curiosidade de Desdêmona sobre suas aventuras, desventuras, sofrimentos, começou a ter uma afeição por ela e por sua preocupação. E pede a Desdêmona que prove ao seu pai e aos outros que é verídico o seu sentimento e que não houve nenhum feitiço.
“Ela me amava pelos perigos pelos quais eu havia passado e eu amava porque ela sentia uma verdadeira pena de mim.” (pg 40)
Assim, provada a relação, o Senador conforma-se com a realidade, porém deixa um aviso a Otelo:
"Fique de olho nela, Mouro. Ela enganou seu pai, e pode enganá-lo também."
Partindo dessa premissa de engano, a peça começa a desenhar um conflito com um dos antagonistas mais cruéis e maléficos da Literatura Mundial, Iago. Um personagem completo, com uma sede de inveja que assusta e choca. Ele é o fio condutor essencial para a degradação de Otelo. Sendo seu alferes e homem de confiança, Iago traça um jogo com insinuações a respeito da infidelidade de Desdêmona. Para concretizar o seu plano, ele articula com Cássio, homem honrado, tenente do Mouro, tecendo acusações débeis e sem fundamento para que Otelo acredite que sua amada o está traindo e que por baixo de toda a sua delicadeza e castidade existe uma mulher ardilosa e impura.
Utilizando-se de elementos como falsas suposições de cunho sexual, um lenço perdido e brigas acarretadas pelo excesso de bebida, Iago, aos poucos, consegue transformar o Mouro em um homem paranóico, ciumento, pertubado e atormentado.
“A minha tristeza é divina: fere onde deve amar.” (pg 171)
Com um final digno de uma tragédia, Shakespeare exemplifica aos seus telespectadores o bem e o mal e como ambos podem ser despertados no ser humano, chocando a sua plateia com personagens que mostram o melhor e o pior que existe em cada um.
Uma obra atemporal e essencial.
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