Léia Viana 30/06/2017
"Como sempre desde que o mundo é mundo, para cada um que nasce, há outro que agoniza."
“Vês tu, ó Pilatos, ele confessa, e tu não podes deixar ir-se com a vida salva quem, diante de testemunhas, se declarou contra ti e contra César. Pilatos suspirou, disse para o sacerdote, Cala-te, e, tornando a Jesus, perguntou, Que mais tens para dizer, Nada, respondeu Jesus, Obrigas-me a condenar-te, Faz o teu dever, Queres escolher a tua morte, Já escolhi, Qual, A cruz, Morrerás na cruz. Os olhos de Jesus, enfim, procuraram e fixaram os olhos de Pilatos, Posso pedir-te um favor, perguntou, Se não for contra a sentença que ouviste, Peço-te que mandes pôr por cima da minha cabeça um letreiro em que fique dito, para que me conheçam, quem sou e o que sou, Nada mais, Nada mais. Pilatos fez sinal a um secretário, que lhe trouxe o material de escrita, e, por sua própria mão, escreveu Jesus de Nazaré Rei dos Judeus. O sacerdote, que estivera entregue ao seu contentamento, deu-se conta do que sucedia e protestou, Não podes, escrever Rei dos Judeus, mas sim Que Se Dizia Rei dos Judeus, ora Pilatos estava enfadado consigo mesmo, parecia-lhe que deveria ter mandado o homem à sua vida, pois até o mais desconfiado dos juízes seria capaz de ver que nenhum mal podia advir a César de um inimigo como este, e foi por tudo isto que respondeu secamente, Não me maces o que escrevi, escrevi. Fez sinal aos soldados para tirarem dali o condenado, e mandou vir água para lavar as mãos, como era seu costume depois dos julgamentos.”
Este é meu terceiro Saramago e termino a leitura com vontade de reler essa obra sensacional novamente. Rico nos diálogos e nos argumentos das conversas entre Cristo, Pastor, Deus e Diabo, Saramago narra a vida de Cristo, aceitando sua existência, mostrando seu nascimento, sua adolescência, juventude e morte de uma maneira humana, profunda e cheia de detalhes de um período de Jesus que na bíblia não consta, que é o da adolescência. O mendigo, os reis magos colocados apenas como pastores, e que dão presentes úteis, sim, sempre achei os presentes dos reis magos descrito na bíblia inúteis, nesta obra, como Pastores, eles são úteis e um deles marcante. Assim como o raciocínio e a maneira de Jesus perceber a vida, o mundo na Sinagoga, com o Pastor, com o Diabo e com Deus leva o leitor a refletir e repensar em tudo, além de se maravilhar com argumentos tão bem construídos que nos fazem concluir que a linha entre o certo e o errado é tênue, frágil e que depende muito mais de como você está inserido no contexto para tomar partida de um dos lados. E, afirmo: o Diabo é um dos personagens mais interessantes nesta obra de Saramago.
Para quem acha Saramago um escritor difícil de ler pela falta de pontuação e identificação dos personagens através de pontuação, por favor, tente porque não é difícil, apenas tem que estar concentrado na história que se lê, pois, Saramago dominava tanto a arte que com poucas páginas você aprende a identificar os personagens apenas por suas personalidades, sem necessitar de identificações para isso.
Leitura muito mais que recomendada!