Lucas Rabêlo 24/06/2022
O ídolo sobrevivente vol. 1
Lançado há 22 anos com a missão de enraizar sua figura mítica central, Joyce Carol Oates foi sagaz ao romancear a história de Monroe para evitar a taxação de ser ela mais uma biógrafa oficial, em que cairiam provas incisivas sobre seu material de pesquisa, já que é sempre controverso falar sobre a atriz legendária. Disso, transformou seu escrito em, entre parênteses, pura ficção, baseada no motriz medular da vida e carreira apoteótica da sua blonde, seu diamante, sua melhor amiga.
Dividido em três partes, da infância perpassa à juventude e após, vida adulta, a última soa como a mais interessante, porém mais batida, as anteriores parecem até inovadoras, particulares, menos exploradas midiaticamente, especiais pelas transcrições de alguém que busca paz à sua personagem principal, justificando o objetivo da prosa, materializar justiça ao nome popular. Todavia, a tríplice faseada são essenciais.
Marilyn, além da voluptuosidade e carreira sólida, quanto curta, foi integrante do grupo em sofrimento mental, são deveras suas declarações melancólicas e registros de tendências suicidadas. Oates resgata este panorama nos idos anos quando criança, vivendo com a instável Gladys, sua mãe, e a temperamental Vovó Della, mulheres fortes, mas compassivas em um meio opressivo aos mais pobres e afeitos à religiosidade como fins comportamentais. Gladys idealiza o glamour hollywoodiano, apesar de apenas assistente técnica de estúdio; rodeada de pretendentes, sofria da falta concreta de um amor, se via utilizada e descartada pelo mesmo gênero que anos mais tarde usaria de sua filha aos moldes machistas tradicionais. Monroe seria chave trunfo para as mãos sujas da indústria e seus reis, o sexo masculino.
Norma Jeane, seu nome de batismo, para se desprender da mãe, ainda que cercada de sua presença não física, se acometeria do caminho enveredado às mulheres décadas passadas (ali, anos 40), se casando ainda em menoridade penal e agindo de forma pueril, ingênua, ao matrimônio e as vontades maritais. A Segunda Guerra sela o compromisso familiar por lei, se vendo livre do marido que parte a serviço patriótico, quando, notada, comumente pela beleza, é descoberta por um filão do universo artístico - ainda em nível baixo, que usaria da estética de Norma Jeane, não Marilyn, até, então, para abusar de sua imagem – que a elevará para os holofotes futuros. Para chegar lá, páginas confidenciais de uma trajetória parecida resolvida historicamente, mas cheia de meandros e intempéries, buracos ao leitor que se desvendará também.
No Brasil, a obra foi dividida, inexplicavelmente, em dois volumes, o primeiro pontuando as etapas de vivência de Norma-Marilyn, e o posterior centralizando a ascensão definitiva do ser lúdico, da artista reverenciada. Me encaminho para ele. A escrita da autora por vezes soa estridente, exagera e enoja em algumas passagens (necessárias nas evidências brutais?!), mas é confiante na pretensão, nos torna juntos confiantes acompanhá-la página a página num conjunto totalitário da sobrevivente idolatrada, floreado de um texto ficcional que é assertivo na exploratória verídica de uma mulher iludida enquanto viva. O resultado, prévio e inconclusivo, por ora, explicita o porquê de Marilyn ser recorrente nos altares da atemporalidade.