Carla Verçoza 30/06/2021
"Eu não era uma vagabunda nem uma vadia. Ainda assim, havia o desejo de me perceber como tal. Pois eu não poderia ser vendida de outra forma creio eu. E eu via que precisava ser vendida. Pois então eu seria desejada e seria amada."
Que livro incrível! Eu já vinha querendo há algum tempo ler algo da Joyce Carol Oates e foi uma bela escolha.
Nesse primeiro volume de Blonde (não entendo por que a editora fatiou o livro, desnecessário) acompanhamos a biografia ficcional de Norma Jeane (Marilyn Monroe). Desde as memórias de infância até o início da sua carreira, o começo da fama, primeiros filmes, a autora constrói esse épico, com uma escrita bonita, certeira, um relato doloroso, cru, da indústria cinematográfica.
Norma foi desde criança uma pessoa muito abusada, física e psicologicamente, cresceu achando que não era merecedora de viver, preterida por todos.
"Acho que nunca acreditei que eu merecia viver. Como os outros acham. Eu precisava justificar minha vida o tempo todo. Eu precisava de sua permissão"
A necessidade crescente de aprovação, especialmente por figuras masculinas, é bastante evidenciada e chega a ser doloroso acompanhar os pensamentos e situações vividas por Norma, e dá muita raiva dessa supremacia masculina, que se acha dona dos corpos femininos e os usa como objeto, como se mulheres não fossem seres completos. Enfim, o de sempre, né homens? Raiva imensa.
"Em um capitalismo de consumo onde não há corpo algum, alma alguma, que seja inviolável."
A mãe que nunca cuidou, sempre envolvida com homens diversos, batia e torturava a filha, não revelando a identidade do pai, o que causava um grande desespero na criança, acabou sendo internada em um hospital psiquiátrico. A ausência do pai foi algo que moldou a identidade de Norma. Ela pensava que o pai a abandonara pois não a queria, que ela era feia, não merecedora do amor e buscou essa aprovação paterna em todas as relações de sua vida. Ela idolatrava os homens e pensava que deveria ceder a todas as necessidades deles, pois isso que era esperado dela.
Inteligente, intensa, uma atriz talentosa, nunca foi fútil e, mesmo sabendo que essa história é ficção, não há como não pensar e se sentir solidária à Marilyn Monroe, tudo que ela (e várias outras atrizes da época e até mesmo atuais) precisaram passar para conseguir realizar seu trabalho e ter algum reconhecimento. Pensar nesse domínio e abuso masculino na indústria, sinceramente, tira toda minha vontade de voltar a consumir filmes. Sofrido. Aguardando o segundo volume.
"(...) enquanto o olhar do outro — fotógrafo, cliente, agência, Estúdio — a escrutinava continuamente. O olhar do outro com seu poder cruel de rir dela, fazer troça dela, rejeitá-la, demiti-la, mandá-la como uma cadela chutada de volta para o esquecimento do qual tinha acabado de emergir."