Luciano Otaciano 09/09/2022
Obra clássica excelente!
Primeiro livro de Eça de Queirós é um daqueles clássicos que costumam compor a grade curricular das escolas ou como indicação de leitura para vestibulares, O Crime do Padre Amaro é uma daquelas histórias pra lá de envolventes que combinam uma boa dose de crítica, ácida, diga-se de passagem, ironias, crônicas da sociedade portuguesa e conflitos internos dos personagens. O grande X da questão que joga contra obras como essa é que normalmente são empurradas goela abaixo de jovens e adolescentes que não estão nem um pouco preparados para mergulhar numa trama do século XIX, de linguagem mais difícil e um estilo narrativo totalmente diferente do que estamos acostumados. O resultado é que todo mundo taxa esses clássicos como CHATOS e a maravilhosa experiência de leitura acaba se perdendo. Podemos ler O Crime do Padre Amaro por diferentes pontos de vista. Um deles é a crônica da sociedade portuguesa dos fins do século XIX através do cotidiano do grupo de personagens que vive na cidade de Leiria. Eça tece um retrato das relações de dominação e influência do clero a partir da forma como a religião católica era transmitida às pessoas. O Deus que era apresentado aos fiéis naqueles tempos era alguém cruel que estava a todo momento pronto para punir. Tudo era pecado e a rotina de vida era aterrorizada por padres que ameaçavam com o fogo do inferno e penitências a perder de vista. Curiosamente, muitas dessas penitências englobavam grossas somas em dinheiro doadas aos mesmos padres na forma da encomenda de missas.
Enquanto a religião era pregada dessa forma nos sermões e confissões, da porta de casa para dentro, esses padres abusavam da hospitalidade das velhas beatas se refastelando em jantares glutões e até mesmo mantendo relações sexuais ou relacionamentos fixos às escondidas. Pecava-se muito, mas logo havia a penitência para afastar esse pecado. O clero que povoa as páginas de O Crime do Padre Amaro manipula as opiniões e comportamentos ao seu bel prazer, e em vários momentos soa exatamente o oposto do que se espera de um religioso. há vingança, perseguição, abusos e ofensas a perder de vista. E no meio dessa sociedade, a obra vai acompanhar a trajetória de dois personagens: Amaro e Amélia. O padre Amaro acabou de chegar para assumir como pároco de Leiria. Jovem e bonito, ele vai ser colocado por seu padre-mentor, o cônego Dias, como hóspede na casa da S. Joaneira cuja filha, Amélia, está prometida a um rapaz. Eça vai construir, então, a rotina de jantares em que beatas e padres passam boas horas noturnas a conversar sobre os acontecimentos, falar dos outros, tecer pré-julgamentos e se penitenciar. E é assim que vai nascer o interesse, logo correspondido, do padre Amaro pela inocente Amélia. Tudo isso junto a uma galeria de personagens fascinante, engraçada, caricata e recheada de vícios mundanos os mais diversos. A forma como Amaro foi desenvolvido é outro ponto à parte que merece ser comentado. Porque ele é um jovem com uma vida pré-determinada por acontecimentos trágicos. Órfão, foi criado por uma nobre que logo o encaminhou ao sacerdócio. Ao longo do livro ele passa por diversos embates internos entre o certo e o errado, entre servir a Deus e às TENTAÇÕES DA CARNE. É um personagem ambíguo por suas aflições e é curioso como o vemos como um jovem perdido de amores e logo em seguida percebemos a frieza com que ele manipula Amélia e outras pessoas para que atendam aos seus desejos. Amaro, no fundo, é um ser humano cheio de defeitos, vícios, ciúmes e erros como outro qualquer, mas que tem a batina como proteção para PASSAR IMPUNE. Amélia, jovem inocente criada em meio aos terrores e credos das beatas, é facilmente manipulada para viver esse amor proibido. Ela também vive seus embates internos, consciente em vários momentos de que está agindo errado. Mas sendo influenciada pelos argumentos ardilosos do jovem padre. Há momentos curiosos que podem ser lidos tanto com humor quanto como blasfêmia a depender do leitor, mas Amaro chega a comparar Amélia como alguém mais bonita e virtuosa que a Virgem Maria ou também se colocar como superior aos anjos e à Virgem simplesmente por, ao ser padre, ter o poder de perdoar os pecados dos outros. A trama d’O Crime do Padre Amaro vai seguir esse romance proibido, mostrando as saídas que os dois jovens vão encontrar para vivenciar esse amor. Há boas reviravoltas e aquele típico desfecho das obras do realismo português. Aliás, vale destacar dois desfechos: o da história dos personagens em si e uma sequência final que fala da sociedade portuguesa comparada aos novos tempos revolucionários que sopram da França, bem irônica como boa parte da narrativa de Eça de Queirós.
Como destaquei no começo, O Crime do Padre Amaro é maravilhoso de ser lido, mas sempre vai esbarrar nas dificuldades enfrentadas ora por leitores que não conseguem digerir a linguagem e o estilo narrativo do século XIX, ora por leitores jovens demais e que ainda não estão preparados para mergulhar numa obra dessas, ainda mais imposta por obrigação escolar sem nenhum tipo de trabalho que contextualize ou torne a trama mais palatável.
Quando encaramos o livro por conta própria, estabelecemos nosso ritmo de leitura e nos deixamos levar pelo causo contado pelo autor, a história de Amaro, Amélia e da sociedade de Leiria nos fisga de tal forma que vamos avançando os capítulos em busca de saber logo o desfecho desse amor proibido e de seus personagens tão caricatos quanto fascinantes. Em resumo, O CRIME DO PADRE AMARO é um daqueles livros clássicos que é prazeroso de se desbravar, embora a linguagem inegavelmente seja empecilho para alguns leitores. Espero que tenham curtido a resenha!