Thiago Barbosa Santos 15/08/2019
O crime da hipocrisia
Ao longo de todos esses anos como leitor, confesso que li bem pouco autores portugueses. Não por falta de vontade. Muito pelo contrário, tenho os livros, conheço a biografia dos clássicos e acompanho os que estão despontando atualmente no cenário, como o ótimo Valter Hugo Mãe. Na verdade, as publicações portuguesas estão na minha fila de leitura. Recentemente, chegou a vez de ler Eça de Queirós pela primeira vez. Iniciei logo com um dos livros mais importantes dele, Crime do Padre Amaro.
O livro, que é um dos maiores clássicos da literatura em língua portuguesa, traz uma forte crítica ao que representou a Igreja Católica. Na época em que foi publicado, em 1875, causou grande polêmica. Mas foi muito importante para mostrar comportamentos que eram reais em muitos casos, porém colocado por debaixo dos panos pelos líderes da igreja.
A história se passa em Leiria, Portugal. Com a morte repentina do pároco da cidade, o jovem Amaro foi o escolhido para assumir o cargo. Ele era de origem humilde, perdeu os pais cedo e uma madrinha rica o colocou no seminário e foi a grande incentivadora da vida religiosa do rapaz. Inclusive, teve influência fundamental para a nomeação dele como novo pároco de Leiria.
Ao chegar até a cidade, hospedou-se na casa de S. Joaneira, logo se apaixonou pela filha dela, a Amélia. A moça era a mais bonita da região. Tinha um noivo, o João Eduardo, pelo qual não era apaixonada, mas já estava se acostumando com a ideia do casamento até a chegada do padre. Os dois se apaixonaram de forma arrebatadora. No princípio, Amaro tentou resistir ao sentimento, mudou-se da casa, mas depois que flagrou o Cônego Dias na cama com a Dona Joaneira, mãe de Amélia, foi mudando seus conceitos.
Percebendo a aproximação dos dois, João Eduardo publicou anonimamente uma notícia no jornal sobre Amélia e Amaro, um escândalo. Porém, depois foi descoberto e a noiva terminou o noivado. O caminho estava livre para o amor. Logo, com o pretexto de cuidar de uma jovem que estava paralítica, os dois arrumaram um jeito de se encontrar às escondidas. O Cônego Dias, ao descobrir, brigou sério com o rapaz, que jogou na cara dele o romance secreto com a mãe da moça. Tornaram-se cúmplices.
Pouco tempo depois, Amélia descobriu que estava grávida. Aquilo era um verdadeiro escândalo, destruiria por completo a reputação do padre. Não poderia de forma alguma se revelar aquele segredo. A partir daí, passamos a conhecer um Amaro frio, calculista, que prioriza esconder o "crime" e acaba cometendo o verdadeiro delito, o de fugir às responsabilidades, praticamente abandonar Amélia. A moça, percebendo esse distanciamento, vai perdendo o encantamento e o amor pelo padre. Até cogitar casá-la com o antigo noivo Amaro fez.
Eles conseguiram esconder a gravidez levando Amélia para o campo, em um local isolado, com a justificativa de cuidar de uma parente do Cônego Dias, que estava doente. A ideia era dar a criança para que alguém cuidasse. Ele escolheu um casal que recebia crianças, que pouco tempo depois morriam misteriosamente. Seria mais cômodo?
Eis que veio o dia do nascimento, um parto muito complicado. Ele levou o bebê para o casal e tentou retomar a rotina. Pouco tempo depois, descobriu que Amélia morreu no parto. No desespero, foi atrás do filho, buscar resgatar a última lembrança de Amélia. Recebeu a notícia de que a criança havia morrido pouco tempo depois de ele ter ido embora.
O segredo se manteve. A moça teria morrido, para a cidade, de um aneurisma. Contudo, não havia clima para o padre Amaro continuar em Leiria. Arrumou uma desculpa e se foi. Anos depois, se reencontrou com o Cônego Dias, na conversa, percebemos mais claramente a hipocrisia de religiosos como eles, que têm a imagem irretocável diante da sociedade mas que cometem seus delitos, muitas vezes sem pesar a consciência.