Liliane 29/01/2017
Adorei!
Li Eça de Queiroz pela primeira vez. Li O Crime do Padre Amaro, sua obra que inaugura o Realismo português.
É corrente descrever o Realismo como uma resposta ao Romantismo, pois em vez de idealizar, o Realismo problematiza a sociedade e as relações humanas. Embora os maiores centros do desenvolvimento do século XIX estivessem na França e na Alemanha – que sofriam com as mudanças decorrentes da evolução científica e tecnológica –, Portugal e Brasil souberam adaptar muito bem a crítica realista ao seu meio, a sua sociedade.
“O Realismo é uma reação contra o Romantismo: o Romantismo era a apoteose do sentimento; – o Realismo é a anatomia do caráter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos – para condenar o que houver de mau na nossa sociedade” Eça de Queiroz *
A história de O Crime do Padre Amaro se passa em Leiria, cidade portuguesa muito católica e conservadora. O jovem padre Amaro assume a paróquia da cidade e logo faz amizade com os outros padres e com as beatas. Essas pessoas, unidas pela cristandade, formam um grupo de amigos que se reúne algumas noites por semana para confabular, comer e beber na casa da S. Joaneira.
A S. Joaneira tem uma filha, Amélia, considerada a moça mais bela da cidade. Amélia está comprometida a João Eduardo, um jovem disposto a acompanhar sua amada na vida religiosa, embora flerte com ideias liberais contrários à igreja.
Acontece que, durante as reuniões na casa da S. Joaneira, começa a medrar uma amizade entre Amélia e o pároco Amaro, e João Eduardo percebe que essa amizade vai além da afinidade cristã.
A fim de afastar a concorrência de Amaro, João Eduardo publica um texto anônimo no qual revela as corrupções dos padres da cidade, além de insinuar uma possível relação de perversão entre Amélia e Amaro.
Naturalmente a publicação do texto gera comoção na cidade e revolta dos padres, que acabam descobrindo a origem do texto. Como punição a João Eduardo, os religiosos usam de sua influência para fazer com que o rapaz perca seu emprego e toda a confiança dos moradores de Leiria. Não satisfeitos, cabe a Amaro intervir na relação do rapaz com Amélia, fazendo com que ela se convença que não deve manter qualquer relação amorosa com o herético. Assim, João Eduardo não vê outra alternativa a não ser sair da cidade.
Logo, Amélia e padre Amaro passam de secretos apaixonados à secretos amantes. Às vistas da cidade, o relacionamento dos jovens não passa de devoção cristã. Para Amélia, os encontros com o padre são tão pecaminosos que, em sua imaginação de devota, a própria virgem Maria não a estaria mais reconhecendo como filha. Por sua vez, Amaro não demonstra culpa. Ele tenta, até mesmo, tranquilizar a menina dizendo que todo o “serviço” que ela presta a um “homem santo” é grandioso aos olhos de Deus.
Em certo momento, o cônego Dias descobre sobre os dois. Porém, Amaro conhece um segredo do cônego, forte o suficiente para fazer com que ele além de concordar em não falar para ninguém, também o ajude a acobertar as graves consequências do romance que logo apareceriam, e entre elas, a gravidez de Amélia. Essas consequências conduzem ao final da história, e o final é de uma tristeza tamanha!
Parece não fazer tanto sentido eu esconder o que acontece, afinal, o livro não é novo, foi publicado em 1875, mas vou esconder. Sugiro que você leia o livro, pois não quero amenizar os sentimentos te acometerá. [Lógico, caso você realmente queira saber, têm algumas resenhas por aí que contam o final ;) ]
Enfim, apesar de o cerne da história ser o romance proibido de Amélia e Amaro, outras questões deveras sensíveis são desenvolvidas na obra. A contradição do celibato, por exemplo, não é questionada somente na relação de Amélia e Amaro.
Há no livro também uma crítica à política dos bons costumes, quando os liberais – vide o caso de João Eduardo – são tidos como ateus, desmoralizadores da sociedade “justa”. Entretanto, é a João Eduardo que eles recorrem quando precisam “tapar o furo” deixado por Amaro. Isso significa que os bons costumes são uma hipocrisia, já que se limitam às aparências da boa reputação.
Apesar de tudo, seria um erro dizer que há uma crítica à religião. Não há. Inclusive, a pessoa que ajuda Amélia em seu momento mais crítico é também um religioso. Os diálogos que Eça desenvolve entre o abade Ferrão e Amélia denotam amor e tolerância. Portanto, fica claro que a crítica do autor é direcionada à igreja e não à religião em si.
O Crime do Padre Amaro é de uma riqueza tremenda. Não pense que as indagações feitas ao longo do livro se limitam a essas poucas linhas escritas. Só digo: leia, leia, leia!
* Tirei essa citação do livro didático Literatura Brasileira: das origens aos nossos dias, de José de Nicola ;)
site: https://lilianeferreiras.wordpress.com/2017/01/29/o-crime-do-padre-amaro-eca-de-queiroz/