Zuca 30/08/2020
O gênio e a deusa
Como narrativa O gênio e a deusa segue uma linha razoavelmente tradicional na descrição da estória do então (simplório, apesar da inteligência) estudante de física John Rivers começando sua convivência com a família Maartens (‘gênio’ e ‘deusa’ são seu mentor e esposa, respectivamente), com pitadas de Poe e Dickens (ambos autores citados ao longo do texto) no tempero do curto romance que chega a ser um conto moral.
Mas o valor do livro não está nessa estrutura nem na própria narrativa em si; na verdade estas funcionam somente como moldura para Huxley, na voz do próprio narrador (John Rivers já velho, relembrando as memórias numa noite de natal), questionar de forma aparentemente casual as noções de valor, verdade e referência do leitor. Um a um tabus vão sendo revirados, desmistificados e/ou desprezados ao longo do texto: religião, moralidade, política, cultura, espiritualidade, comportamento social... A ironia está no uso superficialmente familiar da forma de narrativa como Cavalo de Tróia para fazer chegarem questionamentos filosóficos até ao leitor mais desavisado, que pode comprar gato por lebre e levar de brinde pulgas atrás das orelhas.
Independente da ressonância com quem lê ou não, O gênio e a deusa serve bem ao propósito de introduzir Huxley a quem o queira experimentar antes de mergulhar nas suas obras mais densas (que são sempre acima de tudo antropológicas), sejam elas nas versões mais popularmente reconhecidas (ficções científicas como Admirável mundo novo) ou mais introspectivas (os estudos humanos de Contraponto).
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