spoiler visualizarNina 31/10/2021
A Mão e a Luva | Machado de Assis
Como ponto de partida para essa nova jornada em que me aventuro decidi escolher primeiramente por literatura nacional, a fim de proporcionar ao leitor uma nova visão dos autores e suas obras, que marcaram época e que continuam sendo lembrados quando pensamos no universo das letras. Escolhi Joaquim Maria Machado de Assis, que carioca como eu, também era mestiço e que, apesar de ter perdido os pais precocemente, estudou em escola pública alcançando boa posição financeira, dedicando-se também à literatura e tendo ao fim de sua vida um portfólio com cerca de duzentas obras.
?A mão e a luva?, seu segundo romance, que foi inicialmente publicado em 1874, inicia esta jornada literária. Neste momento, a literatura brasileira se encontrava em um período de transição entre o negativismo do ?mal do século? e a importância dada à liberdade pela geração condoreira, tendo portanto, influências das duas gerações, o que fica explícito ao analisarmos a obra.
Machado de Assis inicia o romance através de um foco narrativo em terceira pessoa, com um caso de ?namoro gorado?, como ele mesmo coloca, de Estêvão, que planeja morrer por conta do amor não correspondido, utilizando logo de início aspectos da segunda geração do romantismo ao mostrar a melancolia em que o personagem se encontra. Seu amigo e confidente Luís Alves, acaba por consolá-lo dessa decepção amorosa a que Guiomar ? a tal namorada de Estêvão ? o submeteu.
O autor utiliza o primeiro capítulo para apresentar características físicas e psicológicas dos personagens envolvidos na trama, de forma que o leitor acaba por despertar um interesse pelas características das diversas personalidades humanas. Após isso, inicia-se então a história verdadeiramente dita, avançando-se em dois anos a partir do padecimento emocional de Estêvão que, até o momento, parece ser nosso personagem principal.
Nesse ponto, já é de se imaginar que, por uma obra do destino, nosso personagem vá de encontro à sua antiga amada, e é o que Machado de Assis escreve, mas desta vez coloca no caminho a genialidade impetuosa da geração Condor, como que antecipando o Realismo que estava por surgir no Brasil, colocando na alma de Guiomar uma liberdade que buscava a ascensão física e imaterial ao decidir no final quem seria o escolhido que a iria tomar por esposa, colocando como valor de grande importância nesse processo a ambição.
O autor traz à cena durante o desenvolvimento da obra outros personagens importantes de serem citados, como a baronesa, madrasta de Guiomar, Mrs. Oswald, sua dama de companhia, e Jorge, seu sobrinho e também pretendente da nossa jovem protagonista, e bem como os demais, esses tem seu perfil psicológico retratado. Machado de Assis nesse romance não nos faz ver de forma maniqueísta as figuras criadas, defendendo que bem e mal são pólos da mesma natureza, mostrando aspectos e emoções positivas e negativas em cada um dos corações.
Como uma ex-quase-psicóloga, foi quase inevitável perceber que em Guiomar existe uma necessidade secundária (pois as primárias seriam as de cunho biológico) de alcançar uma grandeza, realização e reconhecimento por meio do matrimônio com alguém que teria essa mesma ambição de vida, fazendo com que a nossa verdadeira personagem principal viesse a recusar o pedido dos outros dois rivais e candidatos, que não tinham como motivação um ganho de status social.
O interessante é que o autor defende em sua narrativa que essa ambição não faria de Guiomar alguém de mau-caráter, diferentemente do que o catolicismo, religião oficial do regime monárquico (de acordo com 5º art. da Constituição de 1824), defendia na época, condenando esse desejo. É importante ressaltar a questão religiosa visto que a separação entre Igreja e Estado nunca ocorreu de fato ? ainda somos um país cujas cédulas são impressas com os dizeres ?Deus seja louvado? ? e isso acarreta consequências a nível social, onde vemos hoje que valores como a ambição são vistos de forma distorcida. Deixo então o que ficou registrado para mim da obra e uma nova sugestão de leitura: o amor entre Guiomar e seu amante se traduz no amor à vida e no orgulho de ser amante da vida, amor que só pertence àqueles que preservam sua capacidade de pensar, de escolher e de valorizar, como bem dito por Ayn Rand, em ?A revolta de Atlas?.