Gabriel.Maia 01/09/2022
Você teme a morte?
Essa é uma leitura agonizante. Não me lembro de algum dia ter tido contato com algum livro que traduzisse tão bem os sofrimentos e angústias de um personagem como esse traduziu. Tolstói nos coloca na pele e na mente de Ivan Ilitch, nos fazendo não apenas acompanhar suas dores e questionamentos sobre o que é viver e morrer, mas também nos guiando por uma viagem semelhante, não com dor física, mas com muitos questionamentos que podem machucar nosso ego e mudar um pouco nossa percepção de vida útil.
O livro já começa apresentando o tema central de toda a obra, que é, obviamente, a morte de Ivan Ilitch. Após ser acometido por uma doença causadora de uma dor gutural, o importante juiz acaba falecendo depois de alguns meses de intenso sofrimento. Logo que nos é apresentada essa informação, o autor faz questão de destacar a indiferença de seus companheiros de profissão que, lendo a notícia em um jornal, começam a pensar em quem será escolhido para subir de cargo, além de ficarem de alguma forma felizes por tal tragédia ter ocorrido com Ivan, não com eles próprios.
Ivan Ilitch foi um homem "comum". Apesar de ser acima da média em alguns pontos e ter conquistado um lugar relativamente alto na sociedade, ele ainda era um ser humano. É descrito pelo próprio autor como sendo "um homem capaz, alegre, bonachão, comunicativo, mas um severo cumpridor daquilo que considerava seu dever", qualidades essas que o tornaram uma pessoa bem influente e com muitos contatos, o que o fez subir na escala social e conquistar bastante poder. Ivan, apesar de sempre pensar em si mesmo como superior por poder condenar homens e lhes dar ordens, nunca abusou desse poder, mas esse pensamento entrega parte da sua personalidade arrogante e descobrimos mais sobre isso ao longo do livro.
Os questionamentos existencialistas começam após Ivan Ilitch sentir algumas dores do lado esquerdo do estômago, que começam bem fracas mas vão aumentando em intensidade e frequência ao longo dos dias, e, ao final de 3 meses, acabam o levando a óbito. Nesse intervalo de tempo acompanhamos suas dores físicas - que no começo aparecem e desaparecem, o fazendo procurar médicos que não conseguem dar um diagnóstico preciso - e suas dores psicológicas, após perceber que sua doença é incurável e que ele irá, inevitavelmente, morrer.
Ilitch, no começo de sua enfermidade, tenta acreditar que é só mais uma coisa passageira, como tantas outras na vida, e faz de tudo para continuar sua vida normalmente, trabalhando, jogando cartas, recebendo visitas e visitando amigos, mas com o tempo começa a perceber que já não consegue mais fazer nada sem que aquela maldita dor o acompanhe, e no final acaba não conseguindo nem se levantar da cama sem ajuda, o que suscita vários pensamentos existencialistas em sua mente ociosa: O que é uma vida aceitável? Será que eu vivi uma vida boa? Para onde vamos após a morte? Por que vivemos se vamos morrer? É tudo em vão?
Uma das coisas que mais irrita Ivan Ilitch era a mentira e a falsidade das pessoas, que, vendo que o homem está cada dia pior e mais fraco, continuam tratando-o como apenas um doente, fingindo que tudo ficará bem se ele seguir as receitas médicas, se alegrando quando chegam perto dele e evitando falar de assuntos mórbidos, mesmo que seja evidente que o homem está para morrer. Ilitch começa a perceber que as pessoas não se preocupam de verdade com ele, mesmo que para ele essa seja uma questão tão importante. Ele descobre que as pessoas vivem em seus mundos pessoais e nunca acreditam que uma coisa dessas pode vir a acontecer com elas, o que desperta algumas semelhanças com seus processos jurídicos em que, para ele, cada réu era apenas mais um na sua agenda diária, mais um número para sua estatística, e não uma pessoa com algum problema que podia estar sofrendo profundamente com aquilo. No fim, ele acaba descobrindo que também é um réu, e prova do próprio veneno quando, nas consultas médicas, descobre que os doutores o tratam apenas como mais um coitado moribundo, apenas mais um paciente em suas agendas.
Ilitch reveza entre momentos de esperança em sua melhora e de desespero, medo de morrer, que são os momentos responsáveis pelas passagens existencialistas da obra. No final, após 3 dias de constante agonia, dor e sofrimento, Ivan Ilitch falece, provando que todos os seus questionamentos e toda sua vida foram em vão, que não passaram de questionamentos de um doente desesperado.
Esse é um livro incrível que eu já queria ler há bastante tempo. Nos traz muitas reflexões importantes sobre o nosso valor na sociedade e sobre o que é uma vida "útil", e minha visão sobre isso tudo é que nada disso importa. Não acredito em um motivo maior para nossa existência, e creio que as pessoas que acreditam nesse motivo maior acabam dando com a cara no muro no momento em que se veem cara-a-cara com a morte, que, apesar do que os poetas dizem, é feia, humilhante, desesperadora e tão em vão quanto a vida, assim como nos mostra Tolstói nos últimos dias de Ivan Ilitch. Não estou dizendo que devemos temer a morte, mas sim aceitá-la como uma parte natural de nossas vidas, e acima de tudo, nunca nos esquecermos dela, pois, assim como Ilitch, nós inevitavelmente passaremos pela mesma experiência, de formas diferentes claro, mas todas com o mesmo fim: A doce e amarga, eterna e inexistente, bonita e horrível, morte.
Eu escrevi uns versos umas duas semanas atrás que casam muito bem com o tema do livro, espero que gostem:
Alguns dizem que tu és o descanso
Outros, que tu és a consumação da glória
Há até os que acreditam que tu és um novo começo
Mas, no fundo, sabemos o quão ingênuos são esses pensamentos
Sabemos que tu és suja, feia e dolorosa
Mas preferimos te romantizar
Pois assim, acalmamos o nosso ser
E deixamos você nos levar...
Mas levar para onde?
Já inventamos vários mitos
Tentando explicar o inexplicável
Dizem que, se formos bons, vamos para um lugar bom
E se formos maus, sofreremos no fogo eterno
Tudo isso para evitar a escuridão e o vazio do nada
Pois somos tão egocêntricos, tão mesquinhos
Que preferimos sofrer por toda a eternidade
Do que nunca mais sentir nada.