Abiane.Streit 30/10/2024
A solidão dói
Eu acabei de ler "Noites Brancas" de Fiódor Dostoiévski, e confesso que foi uma experiência que mexeu muito comigo. Pude sentir na boca do estômago as borboletas de conhecer alguém do zero, aquela ansiedade gostosa de se abrir para outra pessoa, de querer contar a vida inteira e compartilhar todos os segredos. Naquelas quatro noites que eles passaram juntos, vivenciei a solidão que assombra tanto Nástienka quanto o protagonista, um sentimento que parecia sufocar os dois a cada palavra dita.
O que mexeu comigo após eu perceber foi que o protagonista nem sequer tem um nome. Fiquei pensando nisso, por que será que Dostoiévski escolheu deixá-lo sem uma identidade definida? Será que ele é tão insignificante assim? Talvez seja apenas um espectador na vida dos outros, um observador das pessoas, das casas silenciosas de São Petersburgo, e, acima de tudo, da amada Nástienka. Um sonhador, como ele mesmo se descreve, perdido em suas fantasias, incapaz de se conectar de verdade com o mundo real.
?Quando estou sentado ao seu lado e falo contigo, tenho medo de pensar no futuro, pois no futuro está novamente a solidão, novamente esta vida inútil cheirando a mofo; e com o quê vou sonhar se, desperto, fui tão feliz a seu lado??, ele confessa. E essa frase me atingiu como um soco, pois é exatamente isso que ele sente: o medo de voltar para uma vida sem propósito, onde seus sonhos são a única coisa que o mantêm em pé.
No início do livro, admito, achei o protagonista um tanto insuportável. Todo aquele excesso de palestra, aquele jeito de falar sem parar, quase como se estivesse se afogando nas próprias palavras. Mas, depois, quando vi sua vida solitária e seu coração tão machucado, eu entendi. Ele não tinha ninguém que falasse a mesma língua que ele, ninguém com quem pudesse compartilhar seus pensamentos (e ele pensa muito!! kk)
E então veio Nástienka. Ela, com sua juventude cheia de esperança e incertezas, trouxe uma luz para a escuridão que cercava o protagonista. Mas ela também estava presa pelo controle sufocante de sua avó, a ponto de andarem pela casa grudadas por alfinetes, uma na saia da outra, para que Nastienka não fuja.
A beleza de "Noites Brancas" está justamente nessa dor, nesse amor que é puro em sua essência, mas que nunca se realiza. O protagonista, com seu jeito de sonhador, é ao mesmo tempo frágil e grandioso. Sua história é a de alguém que se agarra às ilusões, porque é o único jeito de dar algum sentido à vida vazia que leva. Ele vive no limite entre a fantasia e a realidade, sempre sonhando com algo que nunca pode ter ? e talvez seja por isso que Dostoiévski não lhe deu um nome, porque ele é todos nós em nossos momentos mais solitários e vulneráveis.
Se você já amou sem ser correspondido, se já se sentiu um estranho no meio de um mundo que não parece falar a sua língua, "Noites Brancas" é um livro que vai conversar diretamente com o seu coração. É sobre sonhar, sobre esperar e, no fim, sobre aceitar que às vezes a vida não nos dá as respostas que queremos, mas ainda assim vale a pena sonhar.