Nicolas Rodeghiero 23/09/2024
É fácil se apaixonar por uma ideia
Este foi, não apenas o meu primeiro contato com o renomado Fiódor Dostoiévski, mas também, com a literatura clássica russa como um todo. Agora que terminei, posso dizer com prioridade, que foi uma experiência bela, poética e dolorida, tudo na mesma medida. É uma obra complexa que, entre seus mais diversos temas abordados, tem como foco principal, um dos mais difíceis de se efrentar: o amor não correspondido. E convenhamos, quem nunca passou por isso, ao menos uma vez na vida?
Durante os meus históricos de leitura, enquanto eu ainda estava no início da trama, uma moça comentou que este era o seu livro de terror favorito. Na hora, fiquei sem entender nada, já que eu esperava qualquer coisa aqui, menos algo aterrorizante. Agora, compreendo perfeitamente o que ela quis dizer. Afinal, sou alguém que tem um grande receio e dificuldade em se apaixonar. Ou seja, isso raramente acontece. E, nas poucas vezes em que me senti assim por uma mulher, os finais foram trágicos, semelhantes ao que aconteceu com o Sonhador, nosso protagonista de "Noites Brancas". Um verdadeiro soco no estômago.
Aproveitando para falar sobre ele, de forma bastante resumida, é um rapaz simples, mas solitário. Como seu próprio nome fictício sugere, está constantemente sonhando acordado. Talvez sonhe com um ideal de mundo melhor e mais agradável, ou quem sabe, use isso como uma forma de escapar da própria realidade. E, é através desse curioso hábito que começamos a explorar alguns questionamentos. Devemos sonhar, ou viver de forma autêntica? O certo seria nos entregarmos com confiança, ou sermos cautelosos com aqueles que temos um recente interesse amoroso?
Em contrapartida, temos nossa outra personagem principal, Nástienka. Uma jovem simples, confusa e inexperiente. Talvez, essa última característica decorra de sua falta de vivência em sociedade, ou por levar uma vida retraída e regrada. No entanto, o mais importante para que possamos compreender a trama, é que ambos, Nástienka e o Sonhador, são imaturos sentimentalmente, como todos nós já fomos um dia. E, devido a isso, tal encontro inesperado acaba se tornando uma forma de refúgio na companhia um do outro, desencadeando uma série de feridas emocionais, mesmo que sem querer.
Quanto à ambientação, não poderia ser mais linda e delicada. Dostoiévski não poupa esforços para nos apresentar uma São Petesburgo realista e rica em detalhes. Em certos momentos, é quase como se o leitor estivesse ali, naquele banco, ao lado dos protagonistas, admirando a mesma vista. Sem dúvidas, a cidade deve ser considerada uma personagem da narrativa. O fenômeno que dá nome ao livro, responsável por deixar as madrugadas claras, também é algo interessante e diferente de se imaginar, contribuindo para a imersão e dando a sensação de que tudo é um grande sonho.
Meu maior medo antes de começar a ler literatura russa, era a provável dificuldade que eu enfrentaria para entender a história. Apesar de ser uma obra curta, me impus a regra de ler um capítulo de cada vez, processando todas as informações ao máximo e tentando não deixar nada escapar. Admito que, principalmente durante as explicações do Sonhador, meu cérebro ficava um tanto confuso. Afinal, seu modo de se expressar é bastante complexo, como se ele estivesse de fato, narrando uma história. Inclusive, a própria Nástienka brinca com isso, e não poderia haver uma definição melhor.
Cheguei à conclusão, de que não adiantaria nada terminar a obra em um só dia, sem compreender sequer metade de sua profundidade e das metáforas propostas. Fiz pausas constantes, li e reli diversas páginas e, ainda assim, quando enfim terminei, procurei alguns vídeos com explicações adicionais que pudessem complementar a minha experiência de alguma forma. Por mais que seja um título que exige uma atenção redobrada, ele nos recompensa justamente por ser tão completo e aberto a diferentes interpretações.
Ao longo dessa curta jornada, sofremos ao ver o Sonhador ouvindo sua amada falar incessantemente sobre outro homem. No entanto, também aprendemos sobre maturidade, pois, apesar da rejeição, ele nunca deixou de desejar a felicidade dela. Por fim, senti meu coração se partir mais uma vez, agora junto ao dele, pelos mesmos motivos que já me eram familiares. Observar como seu mundo perde a cor, o brilho e a magia, é infinitamente triste, mas hoje, entendo que é algo necessário para sua evolução. Uma obra difícil de ser digerida, mas que me conquistou, especialmente nos momentos em que me identifiquei. Foi o suficiente para que eu deseje, futuramente, conhecer mais clássicos do autor.