jonatas.brito 30/04/2017
Um tributo ao amor puro, ingênuo e verdadeiro.
Uma das coisas que mais me impressiona em Dostoiévski é sua capacidade de despertar em nós, leitores, as mais diversas, inéditas e inexplicáveis sensações sem a necessidade de, para isso, ter que escrever muito. Embora seja muito mais conhecido pelos seus calhamaços, como Crime e Castigo e Os Irmãos Karamázov, o autor consegue nos cativar e atrair toda a nossa atenção também com suas novelas mais “modestas”. Com a leitura de “Noites brancas” foi exatamente assim.
De todas as minhas leituras, de todos os autores e entre todos os estilos literários, Dostoiévski, talvez, seja o único que exige de mim dedicação e atenção exclusiva. Mesmo diante de uma rotina corrida, para mim é um sacrilégio lê-lo perante outras distrações à vista. São estes preciosos momentos que tornam a experiência de ler qualquer obra do mestre russo singular e inesquecível.
“Noites brancas”, escrito em 1848 – quando o autor ainda nem imaginava que iria comer o pão que o diabo amassou nas prisões siberianas – é considerado a obra mais significativa que encerra a primeira fase literária do autor. Repleto de simbolismos e metáforas, este livro já anunciava ao mundo que Dostoiévski não seria apenas “mais um” escritor. Entre todas as suas obras, este, provavelmente, é a que apresenta os elementos mais característicos do Romantismo.
Narrado em primeira pessoa, somos apresentados às chamadas “noites brancas” (período do ano em que os dias são mais longos que as noites) da cidade de São Petersburgo pela ótica do protagonista, o Sonhador. Logo nas primeiras frases ficamos encantados pela forma como o Sonhador nos apresenta a cidade: dando vida a ela. As ruas, as edificações, as janelas e o céu tornam-se personagens permanentes da história.
Confessadamente tímido e sem nenhuma relação social, o protagonista costuma passear sozinho pelas ruas da cidade fantasiando curiosos diálogos com os seres inanimados que o cercam. Em um de seus muitos passeios, porém, ele encontra, apoiada sobre o parapeito duma ponte, uma mulher de semblante bastante triste e absorta em seus próprios pensamentos. Mesmo sem saber como aproximar-se, ele aproveita de uma eventualidade para se apresentar e acompanhá-la até sua casa.
Dessa simplória amizade que durará cerca de cinco dias, brota no coração do narrador um amor puro, intenso e arrebatador para com Nástienka. Porém, a jovem tem uma história que a impede de corresponder a esse amor: tempos atrás, ela apaixonou-se por um rapaz que partiu, mas que prometeu retornar para casar-se com ela. Por essa razão, ela evita de todas as formas que o Sonhador alimente esse amor, porém, mesmo sabendo de seu passado, o narrador nutre sinceras esperanças de conquistar o coração da jovem. Dostoiévski nos revela o amor em sua essência: utópico, inexplicável, desconexo e incoerente.
Nesta novela, há um belo contraste entre o realismo de Nástienka e o romantismo do Sonhador. Talvez, por essa razão, levo-me a crer que “Noites brancas” é a obra que melhor define a fase de transição literária do autor, do Romantismo para o Realismo.
“Noites brancas” revela o que há de mais admirável no ser humano: sua capacidade de amar. Seus personagens são extremamente profundos e verdadeiros. Sua narrativa é descomplicada e delicada. Ao findar da leitura, sentimos uma forte identificação diante da humanidade do protagonista.
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