Leonardo.H.Lopes 11/04/2020O Rinoceronte: uma grande alegoriaEscrito no final dos anos 50, esta peça de Ionesco se divide em 3 atos e 4 quadros e conta a história de uma vila que é acometida pela "rinocerite": os habitantes começam a se transformar, a priori, em rinocerontes. O protagonista, Bérenger, se coloca numa postura de resistência e assombro diante dessa realidade, vendo amigos e conhecidos aos poucos se transformando em animais com cornos e seguindo a manada. Basicamente, o enredo é este, simples à luz da análise superficial e se tornou um divisor de águas no teatro francês ao se tornar o expoente da vertente do teatro do absurdo. O autor brinca com máximas filosóficas, silogismos e distorce a realidade para retratar a própria realidade.
Ademais, mais interessante que a peça em sentido literal - pessoas que se transformam em rinocerontes - é refletir sobre a peça em sentido alegórico - o que esse virar rinoceronte simboliza e como essa situação absurda em palco é tão palpável nas ruas. Num primeiro momento, podemos conceber a obra como metáfora para a cultura de massa, para ideologias que são postas como visão de mundo e que são seguidas sem questionamentos por quem se deixa levar - esse “deixar levar” é crucial no texto de Ionesco, que deixa claro que as pessoas decidem virar rinocerontes. Além disso, podemos traçar paralelos com ideologias totalitárias, principalmente com os regimes nazifascitas. A ideologia de Hitler invadiu as mente e o coração de milhões de pessoas durante a Segunda Guerra - situação vivida pelo autor - e temos que milhões dessas pessoas seguiram por ignorância, assim como muitos se deixaram levar conscientemente. Temos a ideologia, a "rinocerite", entrando no trabalho, na vida cotidiana, na ciência, na razão - O Lógico, personagem que simboliza o pensamento racional, por mais ilógico que seja, também vira rinoceronte. Os rinocerontes tomam as ruas e os meios de comunicação até o ponto de as pessoas “normais” passarem a acreditar que ser rinoceronte é ser normal e ser humano é ser anormal - tudo o que não se encaixa num determinado grupo de ideias hegemônicas deve ser condenado.
De resto, essa peça de Ionesco se tornou uma de minhas preferidas e me levou às reflexões acima, me fazendo chegar que o absurdo que rotula sua abra se refere ao quão absurda é a psique humana em si. Um livro cinco estrelas que estou doido para um dia ver encenado e que será contemplado com inúmeras releituras.