Maria9689 26/10/2024
1915 - A Morte que se transforma em Oceano
Rogam, fazem preces, para nada se ajoelham.
Em vão, aos santos não se é possível ouvir ou sequer enxergar o clamor daqueles que nada mais têm senão a secura do solo, a miséria da fome, a revolta dos céus.
Assolado pela seca nordestina, sem a menor reserva de destacamento, involucrado por uma fé vacilante, Chico Bento, antes impelido à despedir-se do seu posto de vaqueiro, parte em uma jornada de incertezas, em meio a aridez e fervor do solo nordestino, ao lado de Cordulina, sua esposa, e os seus pequenos e numerosos cinco filhos.
De forma contrastante, inserida também no núcleo basilar e principal da obra, Conceição, uma jovem professora de vinte e dois anos, com uma mente que foge dos padrões e conformismos sociais da época, consegue escapar dos males físicos e degradantes da seca. No entanto, sente na pele da alma duas importantes instâncias: a incompatibilidade entre ela e o seu amado primo Vicente, e a condição de sobrevida que a seca e a indiferença governamental reduz à existência humana.
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Rachel de Queiroz, apesar de não ter vivenciado na pele os efeitos mortíferos de 1915, conseguiu elucidar com maestria a dor e o sofrimento de um povo que necessitara abandonar a sua terra e sofrer os males de uma esperança ilusória.
"O Quinze" é uma obra direta, daquelas que não se repuxam em prolixidades inúteis, revelando, sob o manto da adversidade, o que há de mais sublime e pútrido no ser humano. É uma escrita que, hora ou outra, te fará suar o coração.
Chico Bento existiu. Talvez, quem sabe, não por tal nome, mas certamente por outros que, assim como ele, carregaram no corpo, na pele e, sobretudo, no coração, a aspereza do sol, a dor da fome, o desespero ansioso do fim.
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(Opinião - Contém Spoiler)
A primeira coisa que me veio a mente quando terminei a leitura e fechei o livro, foi: MAS E O CHICO BENTO?
Eram tantas perguntas e inconformidades que eu, no auge dos meus quase vinte e quatro anos, mais parecia uma interrogação berrante do que uma pessoa.
O que aconteceu com aquele pobre coitado? Conseguiu ele chegar a São Paulo com o que sobrara de sua família? Teria o homem enriquecido e dado a volta por cima?
Eu esperei com afinco uma conclusão sólida e fechada, numa ânsia de menina ingênua que, confesso, me é um pouco estranha. Então, meio que acordei e percebi que não estava lendo um conto de fadas.
Não seria isso o que o sofrimento traz? Dispersão. Incertezas. Perguntas que talvez nem o tempo faça caso de responder. Afinal, não foi exatamente isso que a suposta fuga de Pedro, filho de Cordulina e Chico Bento, trouxe ao casal?
Não se houveram de saber o que de fato aconteceu ao filho, assim como a nós, leitores, não foi nos dado o exato conhecimento do que aconteceu a eles. É caso de se achar e que se dane e vire a imaginação da nossa mente.
Uma hora, meio que por insensibilidade, outra por sensatez, penso que o melhor para eles é terem se achado mortos. Assim, não haveriam de sentir mais sede e fome. Na morte, não se há mais precisão de coisa alguma, pois tudo que é, não há.
"A morte que morro me cura".
Em outras, no entanto, acho e penso e imagino que Chico Bento conseguiu chegar na Terra da Garoa, que Cordulina está lá, atoa em risos com os seus filhos, gorda como costumava ser, ainda que atole no peito a dor de ter perdido dois dos seus meninos.
E o tão sonhado e clemente inverno, enfim...
floresceu entre eles.