Naiana 26/02/2022
Continuando com a história do Cacau no sul da Bahia
São Jorge dos Ilhéus é a continuação de Terras do Sem Fim, a continuação do ciclo do cacau na região sul da Bahia, o fruto de ouro que transformou uma pequena vila em várias cidades e em uma das maiores economias do Brasil.
São Jorge dos Ilhéus foi escrito simultaneamente a publicação de Terras do Sem Fim, e se no primeiro nos é contada a história do desbravamento da terra e cultivo do cacau, como os coronéis se estabeleceram e se fizeram donos da terra, da política e da religião locais, no segundo somos lançados 30 anos a frente, com o cacau já estabelecido como economia local, várias pequenas localidades e vilas são transformadas em cidades e Ilhéus aflora, Jorge descreve suas lindas praças e como a cidade tem crescido. Mas não apenas a cidade mudou e cresceu, mas também a política, não basta mais ser apenas o dono da terra, estamos em meados de 1940, o mundo está mudando, houve a crise de 1929 nos Estados Unidos, crises políticas no Brasil e agora há o nazismo e o comunismo que também chegaram a Ilhéus e vemos fazendeiros como o Coronel Horácio e Maneca Dantas tendo que aprender a viver nesse novo mundo, onde não basta apenas ter grandes fazendas de cacau, é preciso entender de política, saber lidar com as variações da economia, com a bolsa de valores. Nossos velhos conhecidos de Terras do Sem Fim retornam e descobrimos como lhe sucedeu a vida nesses 30 anos, além dos Coronéis citados, temos de volta o Capitão João Magalhães, Don'Ana Badaró, Munda e Antônio Vítor e somos apresentados a novos personagens, seus descendentes, Dr Rui Dantas, Silveirinha e Joaquim são os principais cernes da história, descendência de Maneca, Horácio e Munda e Antônio, respectivamente, junto a eles vemos os exportadores, meros coadjuvantes no primeiro livro querendo se elevar a protagonistas da história de Ilhéus. Junto a tudo isso, como sempre, Jorge recheia a história de intrigas familiares, tramas de poder, prostituição, religião e política, temas que não podem faltar em suas obras, e mesmo assim únicas em cada obra.
Resumindo a obra, São Jorge dos Ilhéus traz uma Ilhéus estável economicamente, mas os exportadores não querem mais figurarem como coadjuvantes na cidade, ele também querem ser donos da cidade, o tempo dos coronéis para eles acabou e com a perda da safra de cacau no Equador, abre a possibilidade de elevar o preço do cacau no Brasil, e assim se estabelece a alta, alta esta que trouxe tanto dinheiro e de forma tão rápida e fácil a Ilhéus que os grandes coronéis assim como os pequenos fazendeiros não souberam como investir seu dinheiro, esbanjando como se ela fosse durar eternamente, sem saber que tudo isso era um plano dos exportadores para lhes tomar suas fazendas. Os comunistas tentaram avisar, mas quem está ao céu mal quer ouvir falar da terra e assim os coronéis se deixam levar e se perder quando a baixa enfim vem, poucos conseguiram salvar algo de seu e com a baixa acaba a soberania dos coronéis na região e um novo tempo se inicia, a cidade quebrou, e posso dizer por experiência que até hoje tenta se reerguer, Jorge fala que om a baixa veio o tempo dos "milionários-mendigos", creio que esse tempo ainda persiste, com muitos ainda vivendo do sobrenome e prestígio daquela época, mas sem muito mais que a maioria da população... Ilhéus ainda é uma cidade orgulhosa do seu passado, mas que pouco vê do seu futuro.
Ler Jorge me fez querer conhecer mais dessa cidade onde vim parar há alguns anos, ainda sei muito pouco, mas sua obra é altamente histórica, e faz querer saber até que ponto a realidade se mescla com a ficção aqui presente. E essa obra em especial me fez lembrar fatos da infância, sou eu neta de donos de terras do cacau, não de Ilhéus, mas de Camamu, mas me lembrei muito nas palavras de Jorge de frases ouvidas de minha avó na época da baixa e suas histórias de desbravamento da terra. Foi uma leitura sentimental, e as mulheres fortes de Jorge também lembraram a guerreira que minha avó foi no seu tempo. A parte ficcional enfim traz um pouco da realidade também, as vezes de personagens que nem ali estão, mas que viveram em muitos outros lugares, na vida real.