João Ks 29/12/2018
São Jorge dos Ilhéus - Jorge Amado.
Nos tempos áureos das lavouras de cacau, a cidade de São Jorge dos Ilhéus experimentou um franco desenvolvimento urbano, acompanhado da intensa circulação de riquezas pelas mãos dos ilheenses;
As terras férteis do sul da Bahia permitiram o florescimento dos mais belos cacaueiros do mundo. A lei da oferta e demanda, aliada à especulação financeira em torno do comércio de cacau conduziram à crescente inflação do seu valor econômico, dando-lhe a dignidade de verdadeiras pepitas de ouro. São Jorge dos Ilhéus foi, assim, a "Rainha do Sul" da Bahia e o cacau o "fruto de ouro" dos cacaueiros.
Como que numa corrida pelo ouro, as terras da zona do cacau (Ilhéus, Itabuna, etc.) despertaram a cobiça dos lavradores locais e de forasteiros vindos de toda parte do país. A partir de então, acirrava-se a disputa pela terra. Fazendeiros locais, antigos desbravadores da terra e forasteiros ambiciosos iniciam as brigas e as emboscadas para conquista de mais e mais terras à custa de sangue. Ali estão envolvidos os poderosos coronéis, os pequenos lavradores, os pobres camponeses, os jagunços e os hábeis advogados, todos empenhados direta ou indiretamente na conquista das lavouras de cacau.
A história da derrubada das matas da zona de cacau e da ascensão dos coronéis como "donos da terra" é maravilhosamente narrada por Jorge Amado no romance "Terras do Sem Fim", obra que precedeu "São Jorge dos Ilhéus". Esta última dá continuidade à epopéia, narrando a transferência do domínio das fazendas de cacau que saíram das mãos dos velhos coronéis para as das grandes companhias exportadoras de cacau, notadamente as de origem estrangeira. O dramático declínio do legado construido pelos coronéis locais se fez acompanhar do rearranjo das alianças políticas, especialmente da ascensão do integralistas (camisas-verdes) e do aparecimento da militância comunista entre os desamparados da terra (camponeses, jagunços, operários etc.).
O romance "São Jorge dos Ilhéus" é narrado em terceira pessoa. E, na esteira de "Terras do Sem Fim", a trama permanece igualmente envolvente, inserindo o leitor no eclético ecossistema da zona do cacau, onde são contempladas a vida no cais junto ao porto de Ilhéus, a boêmia atmosfera dos cabarés e ladeiras da cidade, os terreiros de candomblé onde viceja a macumba, e o universo rural das fazendas de cacau, desde a casa-grande até às casas dos trabalhadores e "alugados'. O leitor é convidado a testemunhar de perto a rápida evolução da cidade de São Jorge dos Ilhéus, no ínicio um rebento bucólico, tornando-se por fim o mais agitado e rico centro civilizacional do sul da Bahia, com seu comércio de vento em popa e a vida cultural em ebulição.
Nada obstante, o crescimento exponencial da economia local, que trouxe a reboque o desenvolvimento da infraestrutura da cidade e o aumento da circulação de pessoas e riquezas, serviu também para evidenciar ainda mais o abismo que separa os estratos sociais componentes do ecossistema ilheense. De um lado o dinheiro a perder de vista em posse dos coronéis e exportadores, que são pródigos no esbanjamento e no desperdício de suas fortunas; de outro, a miséria dos camponeses, estivadores, operários e jagunços, que vivem à margem da rica e efervescente sociedade do cacau.
Como se vê, uma vez mais Jorge Amado aliou maravilhosamente a beleza da trama regionalista à necessária crítica social que a realidade captada merece.
Boas leituras!