Reccanello 13/10/2024...o mal está em que eles têm por certo estarem na luz...Como muito bem dito por Fernando Pessoa por meio de seu heterônimo Alberto Caeiro, "o único mistério é haver quem pense no mistério".
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Mergulhando o leitor num universo complexo e repleto de referências históricas, religiosas, filosóficas, herméticas e literárias, e apesar de ser relativamente recente (foi publicado originalmente em 1988), "O Pêndulo de Foucault", de Umberto Eco, já é considerado um dos grandes clássico da literatura contemporânea, sendo aclamado tanto pela crítica especializada quanto pelo público em geral.
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Casaubon, Belbo e Diotallevi trabalham em uma empresa editorial em Milão e a grande paixão dos TRES é o aparentemente inofensivo interesse por conspirações e sociedades secretas. E é sobre essa verdadeira obsessão que se desenvolve a trama central do livro: para se distrair nas longas horas de tédio do trabalho, os três amigos criam um jogo que consiste em inventar teorias conspiratórias a partir de fatos e personagens históricos aparentemente sem qualquer conexão. Mas, apesar de divertirem com as bizarrices que inventam, acabam envolvidos em um enredo de dimensões inimaginavelmente maiores do que esperavam, dando de cara com um grupo secreto de ocultistas fanáticos que não apenas acreditam em suas mentiras como, justa e perigosamente, ansiavam por um fio, um "plano", uma programação talvez divina do Universo que desse coerência, significado e sentido para suas existências e às de suas organizações secretas.
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Por meio de múltiplas camadas de narrativas que se interconectam em um emaranhado labiríntico de ideias, fatos e personagens o autor tece sua história de forma a construir uma obra única, intricada e repleta de simbolismos, e que convida o leitor a se envolver em uma busca pelo conhecimento. Inspirada crítica, irônica e livremente na realidade da época de sua criação, um dos temas centrais da obra é a criação de teorias conspiratórias, facilmente se percebendo semelhanças de sua trama com a lenda da criação de "Os Protocolos dos Sábios de Sião" (documento apócrifo que, conquanto sabidamente forjado no final do século XIX, supostamente revelava ao público um antiquíssimo plano secreto de dominação mundial pelos judeus). Assim como os personagens de "O Pêndulo", os autores de "Os Protocolos" criaram uma narrativa fictícia baseada em fatos isolados e sem relação entre si, mas que acabou sendo aceita como verdade inatacável por muitos. Da forma magistral como somente ele sabia fazer, Eco utiliza tal pano de fundo como um exemplo do poder das teorias conspiratórias na sociedade contemporânea e da importância de se questionar e investigar a veracidade das informações que recebemos, principalmente no mundo moderno e interconectado pela Internet.
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Riquíssimo em detalhes e nuances, o livro é de uma densidade incomum para um thriller literário, e sua narrativa se desenvolve de forma lenta e meticulosa, permitindo ao leitor se aprofundar cada vez mais na trama e nas reflexões propostas pelo autor. No entanto, é preciso destacar que "O Pêndulo" não é uma leitura fácil, exigindo um mínimo conhecimento prévio de história, literatura, religião, filosofia e ocultismo, além de um grande esforço de concentração para acompanhar sua complexidade. Ao mesmo tempo em que desafia nosso intelecto, o livro recompensa largamente aqueles que se dedicam a desvendar seus mistérios.
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Em suma, indiscutivelmente uma obra-prima da literatura contemporânea, "O Pêndulo de Foucault" combina suspense, erudição e reflexão em uma narrativa envolvente e desafiadora na qual Umberto Eco mais uma vez demonstra total maestria na construção de universos complexos e intrigantes, oferecendo ao leitor uma experiência literária única e inesquecível. Mais importante, no entanto, o livro é um estudo sobre a própria natureza humana e sobre como somos capazes de criar histórias e narrativas para dar sentido ao mundo a nossa volta.