Nath 24/12/2020"Basta... Dizer... Não."Melhor livro pra inaugurar um selo novo, dona Darkside. Eu to grata de mil jeitos diferentes e impactada pra uma vida inteira depois de terminar de ler.
Pra começo de conversa, vamos às controvérsias da narrativa: sim, é lenta. Muito. O começo principalmente é devagar quase parando. E embora eu afirme com muita convicção que vale muito a pena, acho que esse pode ser um motivo adicional pra dizer aquela frase clichê: "não é um livro pra todo mundo." O primeiro motivo é o nível absurdo de violência explícita. Sério, o filme (que é excelente, por sinal) não chega nem perto.
Dito isso, temos uma história narrada em primeira pessoa, portanto, estamos basicamente dentro da mente do protagonista. Patrick Bateman é um homem bonito, rico, fútil no sentido mais literal da palavra, narcisista ao extremo e desprovido de qualquer tipo de empatia e/ou quaisquer emoções em geral. Fez bingo com louvor na cartela da psicopatia e embora não precise dizer, vou reforçar: não é, nem de longe, um narrador confiável.
Quando Patrick Bateman nos conta sobre a vida dele, é no sentido de rotina mesmo, então sabemos onde ele mora, onde trabalha, os lugares que ele frequenta e todos os seus gostos - dos mais comuns aos mais… peculiares. Além disso, também sabemos com quem ele se relaciona; ele tem um grupo de amigos, uma noiva e um punhado de casos com outras mulheres, MAS, o detalhe crucial da narrativa está justamente nesse aspecto: o meio social em que ele vive e como vive. Sei que pode ser exaustivo pra algumas pessoas o excesso de detalhes que o livro trás sobre coisas aparentemente banais, mas garanto que é tudo importante.
Apesar de sabermos que todas essas pessoas fazem parte de algum modo da vida do Patrick, nós não sabemos como elas são fisicamente, tampouco temos qualquer detalhe marcante sobre suas personalidades. Entretanto, sempre sabemos o que vestem, o que bebem, o que comem, quanto custou etc. Em suma: sabemos o que eles tem, mas não sabemos como são. O ponto é esse: pro nosso narrador, isso é tudo o que importa. Mesmo sobre ele próprio, temos muito pouco além do superficial. Ele descreve seu corpo bem definido, sua pele e cabelos bem cuidados, mas é só isso, é muito vago, porque não importa muito além disso. Ele renega e descarta a existência das pessoas a tal ponto que isso se estende à ele mesmo de forma pessoal. Patrick Bateman tem uma única preocupação: ter. Não importa se a questão é ter poder, ter dinheiro, ter coisas luxuosas (das quais ele obviamente não precisa); ele quer basicamente tudo, quanto mais, melhor e ainda assim parece nunca ser suficiente.
Os distúrbios comportamentais e os impulsos agressivos de Patrick se evidenciam nessas minucias. Ele se relaciona apenas com pessoas "à altura dele", tanto que nas inúmeras situações que temos de conversas entre ele e seus "amigos", nota-se que todos são igualmente fúteis e narcisistas, a tal ponto que os nomes deles, por exemplo, nem fazem tanta diferença (eventualmente eles chamam uns aos outros por outros nomes, Patrick se passa por vários de seus colegas e ninguém percebe, dá tudo na mesma), afinal, assassinos ou não, eles são basicamente todos iguais. Mas há um detalhe importante: se alguém se mostra além dele em qualquer aspecto, ele entra em um estado instantâneo de fúria e descontrole. O poder e a atenção devem ser sempre inteiramente dele, pois lembrando: ele é um narcisista.
Por conta disso, eu insisto que por mais "arrastada" que a escrita possa parecer, a genialidade do livro está justamente nela. Nada é à toa. Nem mesmo um capítulo em que esse grupo fica o tempo inteiro no telefone em uma conversa completamente inútil pra escolher um restaurante e que não dá em nada. A ideia é justamente essa: a total falta de propósito dessas pessoas em suas preocupações completamente pífias.
É nesse cenário que a insanidade completa do protagonista é construída. À medida que o livro avança, vemos com uma frequência crescente ele dizer absurdos do tipo "eu vou (insira um meio de tortura aqui) com você e depois te matar" e as conversas seguem normalmente, de modo que a dúvida sobre o que é ou não real começa a ser plantada na cabeça do leitor: será que ele disse isso realmente e essas pessoas todas estão tão entorpecidas nessa realidade absurda em que vivem que sequer perceberam ou será que ele só fantasiou dizer essas coisas? Será que ele disse, as pessoas entenderam, mas o absurdo é tão grande que elas não levaram à sério? E esses questionamentos crescem à medida que a loucura do protagonista também cresce e é nesse ponto que o livro toma um ritmo mais agressivo até culminar em cenas horrivelmente detalhadas de tortura e assassinato. Digo com tranquilidade que além de ser um dos mais insanos, esse é o livro mais explicitamente violento que eu já li até o momento. O nível de gore é muito alto. Justamente por isso o impacto que senti à respeito da mentalidade do Patrick foi também muito forte. Porque no fim das contas, ele basicamente narra que a rotina dele inclui: cuidados de beleza e exercícios pela manhã, um homicídio no fim da tarde e um jantar caro à noite. Assim mesmo, de maneira extremamente trivial, como se todas essas coisas fossem iguais e desimportantes no mesmo nível.
Pra finalizar, quero mencionar outra coisa que me chamou atenção, mas um pouco fora da parte brutal da história, que foi a relevância que a música tem nesse livro e o quanto ela faz parte da vida do protagonista (embora odeie shows, Patrick é um grande amante de música e sempre está ouvindo algo em casa - inclusive durante seus crimes - ou nos fones). Me lembrou bastante o Alex Delarge de Laranja Mecânica que é aficionado por música clássica e passa várias páginas falando de forma muito apaixonada sobre Mozart, Beethoven, Chopin etc, de modo que a música se associa não só à sua personalidade, mas também à violência que o rodeia. Em Psicopata Americano, Patrick Bateman fala bastante sobre música pop, rock e faz referências à artistas icônicos dos anos 80. O que achei mais interessante nesse ponto é que os capítulos à esse respeito nem parecem narrados por ele, cheguei a pensar neles como interlúdios feitos pelo autor só pra contextualizar pontos "aleatórios" sobre os gostos do personagem, porém, deixei essa suposição de lado ao reparar que a arrogância costumeira estava presente e que em um breve "deslize" ele menciona a grife de um vestido usado pela Whitney Houston na capa de um de seus álbuns; típico de Patrick Bateman. Mas fora isso, é interessante ler ele falar sobre um assunto quase como uma pessoa comum, somente dando opiniões sobre suas bandas preferidas, de forma linear, lúcida e sem alusão à palavras como “caro”, “Armani”, “cartão platinum” ou qualquer coisa parecida. Ele encara a música como algo muito sério e até de certa forma emocional; lembra muito o Alex Delarge mesmo.
Enfim. É uma leitura que incomoda porque é feita pra isso. Traz muitos questionamentos e é o tipo de coisa que não vai sair da cabeça por algum tempo. E mesmo tendo sido escrito há tantos anos, carrega uma mensagem extremamente atual. Insanamente incrível.