Denise 23/01/2023
"Ideias são à prova de balas"
Esse quadrinho é crucial, sensível e humano. Uma obra que faz jus ao nosso espírito humano, nossos direitos e às nossas individualidades. A obra soube especialmente tratar esses pontos num cenário futurista (para a época em que o quadrinho foi lançado) de uma Inglaterra fascista, pós Terceiro Guerra Mundial, no século XX. O contexto é meio distópico, mas não tão distante do contexto inglês da época: as maiores figuras do neoliberalismo governaram o país, mais preocupados em manter o sistema de "ordem" funcionando do que tratando dos menos representados naquele governo, das classes baixas da população.
A obra é inebriante, vivaz, na medida em que trata de cada personagem como um ser humano que se digna de ser uma peça, um peão naquele sistema. Assistimos ao assassinato do espírito humano, dos sentimentos, da vivacidade e da excitação humana pelo governo policial fascista inglês. A individualidade e a integridade humana não tinham espaço naquele sistema de ordem imposta, controle e poder. V de Vingança é o relato dos reprimidos, dos diferentes e da crueldade humana em forma de obediência pelos comandos das autoridades (a maior parte dos participantes do governo tinham esse último ponto).
Outro ponto importante é a construção daquele personagem sem identificação, sem forma e sem rosto: V. Ele se nomeava a representação de uma ideia, de uma resistência e da busca pela liberdade. Ele foi um dos únicos a enxergar a prisão em que estava preso, forçado a se comportar, a pensar como o governo impunha. Ele ressuscitava toda a cultura, a arte, os sentimentos, os romances e a autonomia que todos devemos ter de nós mesmos. V é um símbolo e não importa quem está por trás daquela máscara. Entendemos o anarquismo e a sede de liberdade que rodeava qualquer um que percebesse as grades de sua cela naquele governo, no comando daquelas autoridades.
Os personagens mais influentes naquela instituição pregavam uma ideia de pureza, de raça suprema, puramente ideológica e hipócrita, de modo que por trás do véu de autoridade irrefutável haviam infâmias, pedofilia, abusos, violência, obsessão e um culto lunático pelo controle e por uma ideia corrupta de justiça pela força.
Essa obra é obrigatória, esclarecedora e sensível. Não tenho palavras para descrever seu peso, seu retrato da ideologia que nasceu renasceu no século XX e continua perigosamente influente: o fascismo. Então, "Mas minha integridade era mais importante. Isso é egoísmo? Pode não ser muito, mas é tudo o que nos resta aqui. São nossos últimos centímetros, mas neles somos livres".