Francine 02/03/2014Bukowski torna um personagem vil e cruel com as mulheres em alguém completamente humano...Começo dizendo que a narrativa de Charles Bukowski não é para qualquer leitor. É preciso alta dose de tolerância e (por que não?) humor para apreciar a sua escrita. O autor é amplamente reconhecido pela crueza com que aborda fatos corriqueiros da vida. Ele dedica atenção ao personagem escovando os dentes da mesma maneira que dedica atenção ao clímax da história, sem distinção de valor. Acredito que essa característica desagrade muitos leitores, mas é o que permite também escolher o que você considera importante na história. O destaque é você quem confere, com uma liberdade ofensivamente presenteada pelo autor. Há um quote de Mulheres que apresenta claramente o que Bukowski nos provoca:
"– Você escreve de uma maneira tão tosca – disse ela. – Parece uma marretada, só que dada com humor e ternura..." (p. 71)
Dito isso, vamos à resenha de Mulheres: uma obra que me chocou, divertiu e também irritou, exatamente o que acredito ter sido a intenção de Bukowski ao produzi-la. Com uma narrativa em primeira pessoa, conhecemos Henry Chinaski (conhecido como Hank), um escritor alcoólatra de 50 anos. Ex-funcionário dos Correios, Hank se tornou famoso o suficiente para sobreviver escrevendo poemas, contos e romances, a maioria deles inspirada na sua relação com as mulheres. Quando o livro começa, Hank estava em jejum sexual pelo período de quatro anos, mas até o final da obra é possível perder a conta das mulheres com quem faz sexo.
A nossa perspectiva sobre as mulheres presentes na história é limitada ao que Hank descreve e por diversas vezes me flagrei complementando o contexto com meus próprios julgamentos. Enquanto ele apenas descreve, por exemplo, que Sara "apareceu" e lhe fez uma sopa para depois partir, o leitor nota na ausência das suas palavras o quanto ela se importava com ele, mesmo que o próprio personagem não tenha sequer mencionado isso. É como se Bukowski conseguisse nos fazer imergir na história e ver o que o próprio Hank não via.
A verdade é que Hank não apenas fazia sexo com suas mulheres. Ele invadia suas vidas, analisava suas casas e personalidades, assumia suas rotinas, acompanhava seus raciocínios, como uma aranha que tece suas teias ao redor da vítima. Ao leitor desatento, Hank poderia parecer um sujeito superficial, mas julgo que sua busca por algum sentido era tão profunda que o próprio personagem encontrava no álcool e no sexo uma fuga. Há momentos ao longo da história que Hank questiona suas próprias atitudes, mas não se permite ir além disso e encontrar respostas. Ele é um covarde, sim, mas quem não é? Bukowski torna um personagem vil e cruel com as mulheres em alguém completamente humano, que comete um erro após o outro simplesmente porque teme enfrentar seus monstros.
"– Por que você não consegue nunca ser decente com as pessoas? – perguntou.
– Medo – respondi." (p. 58)
Em Mulheres encontramos uma narrativa estável e temos a sensação de que o personagem está em um constante ciclo de uma mulher a outra, sem nunca ter fim, recomeçando o que parece ser uma história igual, mas que sempre é diferente. É repetitivo, como a vida. O livro inteiro apresenta uma rotina. São nas últimas duas páginas que temos o resquício de uma esperança para uma mudança, um sopro de vitalidade e confiança para Henry Chinaski, mas tão curto que não chega a ser o clímax da história. Mais uma vez Bukowski não dá maior intensidade a algo que nos parece importante, mas confesso que gosto disso.
Acho importante dizer, também, que a narrativa envolve linguagem chula e obscena. É vulgar mesmo (rs)! Repito: não é o tipo de livro para qualquer leitor. Essa linguagem, na minha opinião, foi muito importante para provocar proximidade com o personagem e adequou-se à proposta da obra. Obviamente, tal obscenidade do Hank, especialmente quando descrevia as mulheres, chegava a ser insultante. Eu senti nojo e simpatia por ele, num paradoxo que me acompanhou até o fim do livro. Entendi logo nas primeiras páginas que não se pode ler Mulheres esperando gostar do protagonista. Mesmo sem gostar dele, em diversos momentos tive que admitir: Henry Chinaski era mais do que aparentava. Acredito que as várias mulheres que se apaixonaram por ele, ou que simplesmente o quiseram – ainda que fosse velho, gordo, alcoólatra e feio –, viram isso também. Algumas vezes, vemos nas pessoas mais do que elas demonstram.
A minha edição do livro tinha erros na diagramação, especialmente nas falas, que me incomodaram. Algumas vezes esqueceram de incluir o travessão e era difícil distinguir se o personagem falou ou pensou o que estava escrito, mas o contexto respondia após algumas linhas. Recomendo a leitura do livro aos que se interessarem! :) Acho que pelo menos uma vez na vida, toda pessoa deveria ler uma obra de Charles Bukowski.
Selecionei vários quotes do livro. Aos que desejarem conhecer, acessem o link da resenha:
site:
http://myqueenside.blogspot.com.br/2014/03/resenha-22-mulheres.html