Ayla Cedraz 15/06/2023
Releitura - 2020/2023
Acho que releio poucos livros. é um exercício curioso, e creio ser um compromisso interessante escolher um mesmo livro para ler de tempos em tempos.
como eu costumo grifar e escrever nos livros, torna-se uma atividade ainda mais curiosa. é como revisitar parte da pessoa que fui e se sentiu impelida a destacar essa ou aquela frase, escrever esse ou aquele pensamento que surgiu em determinada página. quase que uma arqueologia de si.
com os livros que releio por gostar muito, "ratos e homens", de john steinbeck, "a caverna", de saramago, e "a invenção da solidão", de paul auster, sempre reafirmo a minha conexão, às vezes até intensificada. me ocorre agora que deveria fazer isso também com os livros que não gostei, mas penso sempre no tempo limitado que temos de vida para tantos livros bons a descobrir... bom, vale a reflexão.
acabo de terminar minha primeira releitura de "cartas a théo", o livro que me fez voltar a ler com avidez depois de algumas semanas sem conseguir me concentrar em nada e, como se não bastasse, me fez voltar a desenhar e pintar. eu o havia lido no kindle, durante a pandemia. há algumas semanas, na faculdade, vi esta edição em uma mesa de livros usados e, apesar da grana apertada, sabia que não poderia deixar passar a oportunidade. há momentos em que é preciso desculpar a impulsividade. não sei o que seria de mim sem ela, parando para pensar.
quase uma autobiografia, acompanhamos parte da vida de vincent através de suas cartas a um irmão muito amado e que o amava muito. os dois alimentaram uma relação forte à distância, ao longo de anos, porque, embora muito próximos, tinham posições muito diferentes na vida. desde a juventude incerta, resiliente mas incapaz de seguir conforme às regras, vincent foi um homem muito atormentado pelo peso de sobreviver, quando tudo o que queria era viver perto da natureza. talvez o momento mais duro seja quando mesmo a pintura, sua mais fervorosa paixão, causa-lhe mal; sim, de fato causa, pois prioriza o trabalho das telas à sua saúde.
apesar disso, das cartas desesperadas e cheias de dor que lemos, as cartas a théo mostram um homem insistentemente otimista, que se agarrou à vida o quanto pôde, e, por menos que esperasse, de certa forma vive. não que sua fama atual justifique uma vida de tanto sofrimento. acho que ele concordaria em ser um pintor eternamente desconhecido se pudesse ter sido feliz ao lado de théo. penso que esse foi o quadro que ele mais pintou.