Alexandre Kovacs / Mundo de K 11/09/2012
Daniel Defoe - Robinson Crusoé
Editora Companhia das Letras - Selo Penguin Companhia - 408 páginas - Tradução de Sergio Flaksman - Introdução e Notas de John Richetti, lançamento 02/05/2012.
Um livro não se torna um clássico por acaso e Daniel Defoe (1660 - 1731) criou um romance que, após quase trezentos anos da sua publicação original em 1719, incontáveis edições, traduções, cópias e adaptações (setecentas versões, somente no final do século XIX, de acordo com a ótima introdução de John Richetti) consegue permanecer vivo no inconsciente coletivo como um símbolo de sobrevivência e superação das adversidades naturais e limitações psicológicas do homem.
Na verdade, Robinson Crusoé está longe de representar somente essa imagem simplista de superação, muito utilizada em palestras de autoajuda. É certo que a intenção de Defoe, já um escritor profissional na época, com inúmeros livros publicados (quinhentos na ocasião de sua morte) sobre temas tão variados quanto: política, geografia, religião, economia e psicologia, ao escrever a narrativa de aventuras na forma de diário, era simplesmente ganhar algum dinheiro para o sustento da família. No entanto, quando a epopéia de seu protagonista chega ao final, vinte e oito anos, dois meses e dezenove dias após a sua chegada à Ilha do Desespero, como foi batizada por Crusoé, o próprio Defoe deve ter percebido que havia criado algo mais do que um simples romance de aventuras.
A época em que se passa a ação do livro (1659 - 1694) contava com intensa política mercantilista e expansionista do império britânico e algumas passagens refletem a moral (ou falta de) da época, como exemplo: crítica aos métodos de colonização empregados pela Espanha, com base na exploração e carnificina dos povos da América Central e América do Sul, mesmo não sendo uma política tão diferente assim de muitas das colônias britânicas; as primeiras palavras que são ensinadas por Crusoé ao nativo que ele consegue resgatar dos canibais são o seu futuro nome: "sexta-feira", batizado assim por Crusoé em homenagem ao dia da semana em que ele foi libertado e o seu próprio nome, não Robinson Crusoé, mas sim "amo", indicação clara do sentimento de superioridade do inglês, mesmo na situação de náufrago; a expedição em que ocorre o naufrágio de nosso protagonista é, na verdade, uma ação comercial de importação de escravos da Africa para força de trabalho nos engenhos brasileiro e assim por diante, com muitos outros maus exemplos.
É interessante como, apesar das práticas mercantilistas "desumanas", citadas acima, para combater o abatimento psicológico decorrente do seu isolamento na ilha, Crusoé medita com muita frequência em Deus e desenvolve uma prática religiosa com base na leitura regular da Bíblia que ele consegue salvar dos destroços do navio. Esta passagem da introdução de John Richetti, professor da universidade da Pensilvânia, demonstra bem esta característica:
"(...) 'Salvação' (ou 'libertação') é um termo com ressonâncias morais e religiosas sobre o qual Crusoé irá meditar muito durante seus primeiros anos na ilha, aprendendo a compreender num sentido especificamente teológico: ele é salvo não apenas da morte, mas da indiferença espiritual e da ignorância acerca das obras da Providência Divina".
A bela capa desta edição do selo Penguin Companhia mostra um ponto no Oceano Pacífico, na costa do Chile, indicado como "Isla Robinson Crusoé" que foi, na verdade, onde um pirata escocês chamado Alexander Selkirk (1676 - 1721) foi abandonado em 1704, após se desentender com seu comandante, e resgatado quatro anos depois, em estado primitivo e natural, por um navio inglês. Este caso teria inspirado Daniel Defoe que, no entanto, imaginou a ilha de Robinson Crusoé no mar do Caribe ao norte da costa da Venezuela.