@fabio_entre.livros 16/09/2024
Razão e sensibilidade + A Moreninha
Agora, em 2024, decidi que era hora de fazer uma releitura desta obra de Júlio Dinis, e a experiência, além de agradável como da primeira vez, remeteu parcialmente aos dois outros clássicos que intitulam esta resenha. Como em "Razão e sensibilidade", da Jane Austen, este romance é protagonizado por duas irmãs de personalidades opostas: uma delas, impulsiva e imprudente, regida pela emoção e a boa-fé; a outra, pensativa, discreta e sem sal. E, tal qual no livro de J.M. de Macedo, temos aquela fórmula romântica básica: num cenário idílico, duas crianças prometem se casar quando crescerem; porém, elas se separam, o rapaz vai para a cidade grande, cresce, é acometido por uma convenientíssima amnésia e torna-se um namorador incorrigível. O elemento do humor leve que permeia o clássico brasileiro também está presente no português, mas as semelhanças terminam aí. Enquanto Carolina (protagonista de "A Moreninha") é esperta e conduz sua história até despertar as lembranças do leviano Augusto, Margarida (uma das irmãs e personagens centrais de "As pupilas do senhor reitor"), sendo retraída e tendo complexo de escrava Isaura, passa a maior parte do livro se martirizando, chorando e sofrendo calada pela inconstância de Daniel. Se o romance ficasse centrado somente na sofrência da Guida, a leitura seria enfadonha e olvidável; mas o grande trunfo de Dinis é a forma como ele equilibra o foco da narrativa entre as duas irmãs, sendo que Clara é, a meu ver, uma personagem bem mais interessante do que a Guida.
Quanto aos demais personagens, embora tenham aquela construção superficial característica do Romantismo, Dinis os apresenta com muita graça e sem exagerar nos estereótipos, diferente, por exemplo, de seu conterrâneo e contemporâneo Camilo Castelo Branco (ainda que, para os padrões ultrarromânticos, "Amor de perdição" seja uma obra-prima). Talvez nisso mesmo esteja a explicação para o sucesso obtido por "As pupilas do senhor reitor": numa época em que tragédia, obsessão e spleen ditavam o tom dos romances, uma história singela e com final feliz veio mesmo a calhar para o público. Às vezes o amor pode ser algo bom.