Ednelson 05/04/2013
“Lembre-se que é apenas um espelho, lugar de imagens, terra de reflexos. Não esqueça, o que ele reflete é o que a vida lhe apresenta.”
—Pág. 438.
Saudações, caros leitores! Objetos podem manipular pessoas, pelo menos quando conferimos tal poder a eles. Se vocês duvidam do que afirmo, lhes pergunto: alguém que seja fanático por carros consegue não desviar o olhar ao perceber um belo veículo se aproximando? Obviamente, não. Todavia, se ainda questionarem as minhas palavras, indago: nós, leitores assíduos, conseguimos entrar em uma livraria e não admirar dezenas de livros, mesmo que tenhamos ido ao estabelecimento apenas para comprar um que já escolhemos antes? Tudo bem, os exemplos que citei não retratam uma influência perniciosa, mas e se o objeto em questão fosse algo que ressaltasse o que há de mais abissal em você? Imaginem algo tão horrendo que lhe faria querer furar os olhos, pois a verdade é demasiadamente hedionda. Esse é “O Espelho”, vamos saber o que vi nessa trama em que a mente humana é o principal palco, mas tomem cuidado com a superfície reflexiva…
O prólogo nos puxa para um cenário em que a realidade e a fantasia, tecida pela percepção pasmada de um garoto, se confundem. O medo vem de duas direções, um sentimento de pesar por um falecimento e uma “sombra” que oprime a criança e nos serve claramente de aviso que algo terrivelmente errado está se desenrolando. Mas o que representa este ser que antagônico à luz? Essa é a interrogação para a qual a obra vai progressivamente construindo uma resposta.
Depois, o romance nos mostra um povoado onde a própria vida parece se arrastar duramente. O que quebra um pouco essa atmosfera mortiça é um grupo de amigos, entre eles Pedro e Júlio, peças fundamentais na trama.
O primeiro capítulo é percebido pela ótica de um corvo, clara referência a Edgar Allan Poe. Isto também serve de aviso para o fato de que o se segue é uma narração de terror mais psicológico do que choque visual, o que particularmente adoro. Não consigo me envolver com enredos onde o derramamento é maior do que a preocupação do escritor em nos fazer sentir os dramas dos personagens.
Neste pedaço de terra, o miasma maligno se manifesta a partir da velha Eulália, avó de Júlio e dona de um passado desgraçado. Inicialmente, consideramos que seja ela o que há de mais venenoso para os espíritos incautos que cruzarem a sua trilha, mas a verdade é muito mais assustadora.
O cerne d’O Mal é um espelho, peça de origem desconhecida, mas com um único objetivo: corromper o ser humano. Ou seria apenas dar um empurrãozinho naquilo que já carregamos, deixando claro como água límpida o que nos esforçamos para camuflar? Essa pergunta suscita um debate intenso no leitor sobre a natureza do homem. Será que nascemos bons e a sociedade é o que torna alguns podres? Existe uma predisposição aos delitos? Será que até o mais justo dentre nós pode se transformar em um monstro psicótico? Neste ponto, Pedro surge como fundamental cobaia nesse exame da psique, pois mesmo em sua fase infantil, demonstra sinais perturbadores, coisas que nos fazem sentir medo dele. O caráter do pequeno se prova ainda mais suspeito quando ao confrontar o Espelho pela primeira vez sente empatia e não pavor.
Com uma virada impactante, somos lançados para o futuro, onde reencontramos Pedro Cantillejo adulto, vivendo em Barcelona. Ainda mais vil, em meio ao mundo corporativo, e ocupando um posto privilegiado, graças ao fato de ser o noivo da filha do chefe, seguimos os passos de Pedro por uma camada da sociedade que coexiste, envolta em mistérios, abaixo da nossa. Enfim, caminhamos por trás do baile de máscaras.
Como toda boa história pede um embate de propósitos, não necessariamente contrários, mas distintos, conhecemos Daniel, um garoto órfão muito simpático que acaba ligando-se irremediavelmente a Pedro. O menino sente-se compelido a enfrentar a força que estende os braços para agarrar toda a pureza que encontrar para subvertê-la.
Humildemente, considerando que não sou um sociólogo ou algo próximo disso, posso dizer que o romance disseca o corpo do chamado “homem moderno”, consumido em uma corrida desenfreada pelo poder, mas que carece de uma razão além da aquisição de um posto elevado. Com uma escrita que conquista facilmente, olhamos para o abismo do espírito humano.
No ambiente urbano, onde a opulência convive ao lado da miséria em uma massa viva e em movimento constante, o horror, que estava supostamente trancado em um passado distante, vai se infiltrando em acontecimentos fortuitos. Até parece que uma força atua para que diversos elementos convirjam para um local, estabelecendo um confronto que determinará o destino de muitas pessoas. As últimas noventa páginas, mais ou menos, são simplesmente impossíveis de serem largadas!
Um traço que também me cativou neste trabalho de Jorge Plá y Cid é os moldes com os quais ele enquadra a perda de sanidade. Lembrou-me Lovecraft, onde o sobrenatural é uma coisa além de nossa própria compreensão e qualquer encontro com ele ou tentativa de esclarecê-lo conduz inevitavelmente à seguinte bifurcação: morte ou loucura.
O trabalho com a capa ficou excelente, usando tons de preto e azul para transmitir a sensação de um clima inóspito, ameaçador. Minha única crítica é quanto ao número de erros de revisão, o que me chateou um pouco. Se você quer desfrutar de uma obra de terror, essa é uma dica que deixo! Dou quatro selos cabulosos.
Escrevo no: http://leitorcabuloso.com.br/