Ricardo.Borges 29/06/2022
O cego destino não se interpôs
Já faz algum tempo que eu me afeiçoara por algumas poesias de Pablo Neruda e, recentemente, ao ler um de seus livros com belíssimos sonetos de amor, fiquei muito curioso sobre o contexto em que fora escrito (aliás, sobre este livro, há uma curta referência a ele e à Matilde, sua mulher na época, pouco depois da metade da obra, da qual extraio um trecho: ?Da terra, com pés e mãos e olhos e voz, trouxe para mim todas as raizes, todas as flores, todos os frutos fragrantes da felicidade.?), então comecei a ler essa autobiografia poética. Sim, porque mesmo em sua narração descritiva, a poesia se apresenta forte e surpreendente para detalhar algumas situações vividas por ele e inimagináveis para mim (especialmente nos textos em itálico rsrs). Sempre citando sua convivência com outros artistas, muitos deles desconhecidos para mim, outros célebres como Federico Garcia Lorca ou até mesmo Jorge Amado, o autor se integra aos mais inusitados locais em seus exílios nos momentos políticos sociais que viveu, descrevendo-os com adorável maestria, um certo humor, e simplicidade, como a URSS de Pushkin, por exemplo, cuja ?herança luminosa foi defendida e multiplicada?, (essa passagem me deixou absolutamente encantado e até mesmo desejoso de visitá-la, um dia, quem sabe).
Como o poeta que ?comeria toda a terra e beberia todo o mar?, onívoro de sentimentos, seres, livros e acontecimentos, também ?quero viver num mundo em que os seres sejam somente humanos sem outros títulos a não ser estes, sem serem golpeados na cabeça com uma régua, com uma palavra, com um rótulo.[?] Quero que a grande maioria, a única maioria, que todos possam falar, ler, escutar, florescer.?.
Até quando é racional, em seu texto sobre versos curtos e longos, o auto-entitulado enganador profissional, usa sua linguagem poética de forma avassaladora, forte e repleta de adjetivos impactantes, que também são empregadas com fluidez e consistência um pouco mais adiante, em seu pequeno e preciso texto sobre religião e poesia, que reflete um pensamento conciso e, até mesmo , contemporâneo.
Aliás, a linha do tempo em que o livro é escrito contextualiza grande parte dos acontecimentos históricos recentes. A relação com Luís Carlos Prestes (e os dias da semana) é outro ponto forte da obra, a meu ver. Talvez por isso, inclusive, antes da despedida (que pequeno texto bom!), a última pessoa que o poeta cita é o ex-presidente chileno Salvador Allende. Para finalizar, ainda há o apêndice que, por si só, já é ema deliciosa leitura, mas a explicação sobre os ?vinte poemas? me fez colocar este livro em minha ?lista de desejo? de leituras?rsrs