Marcelo Rissi 06/05/2020
Ana Karênina
Seguem algumas linhas para compartilhar aqui, entre amigos, nesse singelo espaço virtual, uma pequena e "boba" alegria (que eu gostaria, porém, de dividir com vocês).
Há algum tempo (e sem predeterminar qualquer data para início desse desafio pessoal), eu elegi e estabeleci, como meta de leitura, a obra Ana Karênina, escrita pelo autor e filósofo russo Liev Tolstói (a grafia do título contém variações, a depender do país, da editora, da tradução e do ano de edição).
Eu vinha protelando - e muito -, pelos mais diversos motivos, o início da leitura dessa obra. Lê-la seria - como, de fato, o foi - um grande desafio. Trata-se de obra extensíssima (a edição que possuímos em casa, da editora Abril, lançada em 1979, é dividida em dois volumes que somam um total de aproximadamente 750 páginas). Ademais, a literatura russa clássica é, no geral, bastante densa, com profundo viés psicológico, filosófico, histórico, político e sociológico. Além do mais, para "ajudar", essa obra possui inúmeros personagens, todos designados com aqueles nomes russos impronunciáveis (e correlacionados com apelidos ou diminutivos que não guardam qualquer semelhança gráfica com os prenomes originais).
Nota-se, assim, que o livro é bastante complexo, exigindo-se grande concentração para acompanhamento da história (e, ainda, um dicionário "ao lado", pois a narrativa é permeada por palavras arcaicas, infrequentes e excessivamente eruditas, fruto, provavelmente, do ano da tradução dessa antiga edição que temos em casa).
Pois bem. Há aproximadamente um mês e uma semana, aproveitando esse período de quarentena e de consequente isolamento social (com possibilidade, assim, de melhor administração do tempo), eu tomei coragem e, assim, dei início a essa leitura.
Hoje, finalmente, com grande felicidade e com sentimento de dever cumprido, eu consegui terminar Ana Karênina, finalizando, assim, meu desafio literário.
É, para mim, dever moral reservar algumas linhas aqui para expor as qualidades dessa obra, convidando todos à sua leitura.
Trata-se de um trabalho primoroso, alteado merecidamente à condição de clássico absoluto, atemporal e incontestável.
A narrativa é instigante, prendendo a atenção do início ao fim, sem causar enfado ou tédio. A obra é extensa, mas os capítulos são curtos (em média, cada capítulo possui 2 ou 3 páginas), o que impede que a leitura se torne cansativa.
A estilística adotada é, ainda, impecável e de altíssima sofisticação, com descrições minuciosas de paisagens, de movimentos e dos próprios personagens (seja quanto às suas características físicas, seja quanto à sua perscrutação interior, como sensações, sentimentos, pensamentos etc.). É como se um filme fosse transmitido aos olhos do leitor, tamanha a capacidade do autor em movimentar ideias e aguçar a imaginação.
Ana Karênina é uma obra dividida em oito partes e cada uma delas traz foco e tônica diferentes (embora, obviamente, a trama esteja interligada e entrelaçada. As partes não são independentes, mas continuações sequenciais com mudanças de alguns focos).
Em apertadíssima síntese - e sem emitir "spoilers" -, essa obra, ao menos sob o meu ponto de vista, visa a analisar, sob viés especialmente psicológico, a forma como se estabelecem e se desenvolvem as relações humanas interpessoais (embora o livro não se resuma a isso e nem nisso se esgote).
Essa proposta é construída pelo autor a partir de uma narrativa que engloba INÚMEROS personagens e a maneira como eles se relacionam. Traições, amizades, amores, casamentos desfeitos, relações afetivas restabelecidas, afastamentos e reaproximações entre familiares, relacionamentos entre pais e filhos, amizades por interesses políticos, o tabu da morte, enfim...! Essa obra traz uma miríade multifacetária e pluridimensional de relações interpessoais, todas elas analisadas profunda e minuciosamente pelo autor.
Um dos melhores livros que eu já tive o prazer de ler e que, assim, acaba de entrar para o meu rol de favoritos.
Essa obra Ana Karênina rendeu uma história "engraçada" aqui em casa. Meu saudoso pai, há alguns anos (salvo engano, por volta do ano de 2010), começou a ler esse livro. Após algumas páginas, ele simplesmente interrompeu a leitura, dizendo que havia "brigado" com a personagem que dava título à obra (Ana Karênina), em razão de um determinado comportamento que ela teve e que o desagradou (ele jamais me contou o que ela "fez", mas, agora, tendo eu terminado a obra, eu consigo ao menos desconfiar/presumir qual foi a cena que o "contrariou" e que, assim, causou "quizílias" e "apoquentação" do meu pai com a personagem! Essas duas palavras são escritas várias vezes na obra... rs).
Enfim... meu pai parou de ler Ana Karênina, sempre sob a promessa de retomar a leitura um dia. Infelizmente, em janeiro desse ano, meu pai passou a compor o plano celestial e, assim, jamais terminou a obra. Espero que, lá em cima, no céu, ele tenha já reatado a amizade com Ana Karênina (que também deve estar no outro plano, por se tratar de história centenária! rs).
Eu queria muito que o meu pai tivesse terminado essa leitura e que nós pudéssemos ter tido tempo e oportunidade para debater sobre ela (algo que a gente fez com dezenas de livros). Saudade desse tempo que não volta, sempre lembrado com carinho e com o coração aquecido!
Enfim, fica a dica de leitura para a quarentena.
Livro obrigatório!