Vaneza | @garotado330 05/08/2024
Pequenas coisas, grandes emoções
Nesse livro somos convidados a conhecer uma família num vilarejo no interior da Índia. A família em si composta por três gerações, que vivem os problemas sociais dos contextos em que estão envolvidos. Um avô entomologista imperial, dentro do contexto histórico de uma Índia antes da independência. A Ammu e o tio Chacko que vivem um contexto histórico de uma independência recente. E os gêmeos Rahel e Estha que se encontram imersos em um plano de fundo com o comunismo, e outras questões que influenciam na dinâmica social e cultural do país. Essa contextualização de períodos políticos e históricos não são o centro da trama, mas se fazem presentes no desenrolar das histórias, e na minha opinião, engrandece e muito a leitura. A autora nos convida a conhecer não só essas pessoas, mas as críticas ao que ela identifica como problemas desse período e as marcas do colonialismo no país.
A história se passa em 1969, e por incrível que pareça, todo o estopim da trama acontece em uma semana. É sobre como um dia, um acontecimento simplesmente pode mudar o curso de tudo. Enquanto narra a visita da prima Sophie, que morre durante essa fatídica semana, e isso não é um spoiler, tendo em vista que temos essa informação na contracapa do livro, e no começo do mesmo. E aos poucos somos levados ao que aconteceu no dia da morte. Os capítulos alternam entre o passado e presente, mostrando questões de cada pessoa da família, e como essas questões marcaram os indivíduos e resultaram em cicatrizes visíveis no presente.
Uma das coisas que me peguei fascinada foi com a narração não participativa. A história nos é apresentada pelo ponto de vista de um narrador que não é personagem, conhece a história do começo ao fim, e vai guiando o leitor nesse emaranhado de acontecimentos angustiantes. É uma escrita poética que, a todo momento, envolve emoções e sensações que trazem ao leitor sentimentos densos como nojo, repulsa, raiva e pena. Por esse mesmo motivo, as críticas ao colonialismo são tão interessantes, por serem escritas por uma autora indiana que ainda se declara ativista de um movimento antiglobalização. Às vezes sentia que a mão pesava um pouco no teor da crítica, principalmente criticando quem no fim das contas era duplamente vítima: do colonialismo e do capitalismo.
Como esse livro foi publicado em 1997, não existe um aviso de temas sensíveis e eu fui surpreendida em alguns momentos da minha leitura. Evidenciar um aviso de temas sensíveis ou gatilhos não é spoiler. Alguns temas como: violência doméstica, estupro, abuso infantil e incesto fazem parte dessa narrativa. E acho legal pontuar que esses temas fazem parte da história, mas não são o centro dela. Contribue para parte de toda angústia que nos é apresentada, mas não representa o todo do livro. Eu mencionei a escrita da autora como poética, mas em nenhum momento esses temas sensíveis são romantizados, mas também não são trabalhados como uma crítica que serviria como algum aviso ou aprendizado para o leitor. Senti como se fossem fatos, acontecimentos de uma sociedade e família adoecida. E consequentemente parte da crítica que a autora levanta ao longo da obra.
Todo o trajeto que fiz com esse livro, partiu de um começo muito confuso para compreender quem eram os personagens, e as temporalidades fora de ordem cronológica em cada capítulo. Foi seguido por um entendimento ditado pelo narrador da história, que escolhe o tempo de aprofundar em cada acontecimento, e conduziu de forma poética e bonita, temáticas doloridas. Em algum momento dessa leitura eu tomei consciência de que existiria uma versão minha separada por "antes desse livro" e "depois desse livro". No final eu estava devastada, certa de que nunca serei capaz de esquecer essa história e com muita vontade de conhecer mais da literatura e história da Índia.
site: https://garotado330.blogspot.com/2024/08/o-deus-das-pequenas-coisas-resenha-sem.html