Alexandre Kovacs / Mundo de K 09/09/2016
Paulo Leminski - Toda poesia
Editora Companhia das Letras - 424 páginas - Lançamento 27/02/2013.
O múltiplo Paulo Leminski (1944 - 1989) que foi poeta, romancista, tradutor e compositor (além de faixa preta de judô) deixou um grande vazio na poesia contemporânea brasileira. Como bem definiu outro grande poeta e tradutor, Haroldo de Campos (1929 - 2003), em texto publicado na primeira edição de "Caprichos e relaxos", resgatado agora como um dos apêndices desta antologia, Leminski que é o "polilingue paroquiano cósmico ou caboclo polaco-paranaense soube, muito precocemente, deglutir o pau-brasil oswaldiano e educar-se na pedra filosofal da poesia concreta". Isso significa que ele herdou a tradição da poesia erudita e participou ativamente na formação de uma geração influenciada pelo movimento concretista, que tinha no próprio Haroldo de Campos um dos seus fundadores, chegando até o movimento da poesia marginal ou de mimeógrafo, tão representativa da cultura pop dos anos setenta. O texto abaixo de José Miguel Wisnik resume muito bem esse encontro entre o clássico e o revolucionário na poesia de Paulo Leminski e a sua importância em nossa cultura:
"Não é fácil definir esse lugar, entre a erudição e o chamado 'desbunde', entre a disposição da informalidade existencial, no marco da contracultura dos anos de 1970, e as exigências da construção formal, que parecem polares e insolúveis. Leyla Perrone-Moisés definiu, no entanto, de modo preciso, a sua dicção poética como sendo capaz de cortar esse nó com a lâmina afiada de 'samurai-malandro', o sacador-fazedor que estiliza a instantaneidade tendo como background um largo repertório acumulado. O curitibano Leminski escancara a condição provinciana, que toma estrategicamente como congênita, sem perder de vista a poesia universal da qual é íntimo, e, ao fazê-lo, comenta a crise da poesia ao mesmo tempo que cria para si um centro decidido e esquivo, todo feito de meias-palavras inteiras. De fato, a ambição artística do 'paroquiano cósmico' assume astuciosa e sabiamente, como sua, a oscilação irônica entre a grandeza e a desimportância, entre o menor e o enorme, a pretensão e o desconfiômetro, e adere a ela no interior da própria obra. (...) Não por acaso Paulo Leminski colocou-se, em boa parte por provocação, no alvo das pendengas sobre o discutido valor literário da poesia contemporânea brasileira, de difícil canonização, como se ele fosse, dela, ao mesmo tempo o arqueiro zen e o calcanhar de Aquiles." - nota sobre leminski cancionista - José Miguel Wisnik (págs. 385 e 386)
Como nos ensina Leyla Perrone-Moisés, citada acima por Wisnik, em seu texto "leminski, o samurai malandro", publicado originalmente no suplemento cultural do Estado de S. Paulo em 1983: "A forma breve não é um valor em si; o breve pode ser apenas pouco. Ter ouvido a lição da poesia concreta também não é garantia de concretizar poesia. Quando o jogo de palavras é só graçola, não cola." Enfim, tanta teoria não faz justiça à poesia de Leminski que fala por si mesma e está mais viva do que nunca, principalmente na forma de seus grandes "pequenos" poemas muito famosos em compartilhamentos nas redes sociais devido à sua aparente simplicidade. Digo aparente porque, em nossos tempos de primazia da irrelevância e tirania da superficialidade da informação, ficamos de repente surpreendidos quando na enxurrada de bobagens da nossa linha do tempo diária aparecem certos diamantes que nos pegam de surpresa, assim como um golpe preciso de espada de samurai.
De "caprichos e relaxos" - polonaises (pág. 70)
(Editora Brasiliense - 1983)
Um passarinho
volta pra árvore
que não mais existe
meu pensamento
voa até você
só pra ficar triste
De "distraídos venceremos" (pág. 228)
(Editora Brasiliense - 1987)
Incenso fosse música
Isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além
De O ex-estranho (pág. 329)
(Livro póstumo - Editora Iluminuras - 1996)
Invernáculo
Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
Quando o sentido caminha,
a palavra permanece.
Quem sabe mal digo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longínqua,
a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase.
Esta antologia passa por toda a produção de Paulo Leminski (inclusive as edições póstumas), iniciando no hoje raro "quarenta clics em curitiba" (1976) e seguindo cronologicamente com: "caprichos e relaxos" (1983), "distraídos venceremos" (1987), "la vie en close" (1991), "o ex-estranho" (1996), "winterverno" (2001) e alguns poemas ainda inéditos incluídos na última parte como "poemas esparsos". A apresentação é da poeta Alice Ruiz S que foi sua companheira dele por duas décadas, posfácio do crítico e compositor José Miguel Wisnik e apêndice com textos de Caetano Veloso, Haroldo de Campos e Leyla Perrone-Moisés.