Lívia Gomes 15/08/2024
Acredito que esse foi o livro que mais me surpreendeu na vida. Digo isso com tranquilidade pois eu já tinha visto o filme, mais de uma vez, e já sabia para onde a história se encaminharia e mesmo assim não conseguia largar essa leitura ansiosa e na expectativa do que viria na próxima página, e na próxima e na próxima.
Não se engane, não é um livro fácil de ler. A escrita é mais rebuscada e o assunto é constantemente pesado, em muitos momentos a narrativa é lenta, mas não lenta daquela maneira desestimulante e tediosa, eu atribuo a lentidão à quantidade excessiva de informações difíceis de digerir. Mas digo que vale a pena o esforço para concluir essa leitura.
A autora fez uma trabalho excelente, desde a escolha narrativa (através do texto epistolar), até a construção de personagens muito tridimensionais e extremamente reais. O tempo todo lendo esse livro tive a impressão de que aquelas pessoas de fato existiam e acredito que esse efeito ocorre porque Lionel Shriver conseguiu verbalizar de maneira extremamente precisa e detalhada as experiências e dilemas de vida, de relacionamentos e dinâmicas familiares. Pela primeira vez na vida como leitora eu li nas páginas de um livro sentimentos, pensamentos, dúvidas e medos que pareciam ser meus, tirados diretamente do meu âmago, mas escritos por outra pessoa, impressos num punhado de papéis ali nas minhas mãos. É uma leitura muito, muito, muito visceral, que nos confronta, que tem o objetivo de nos deixar desconfortáveis do início ao fim e cumpre muito bem esse objetivo.
Os personagens são muito magnéticos, com muitas facetas e ambiguidades. Eu criei muita empatia pela Eva, ela é extremamente inteligente e muito verdadeira e forte, ela também tem muitas falhas e é isso que a torna tão interessante e nos aproxima cada vez mais dessa personagem. Claro que o fato do livro ser todo narrado em primeira pessoa pela própria Eva faz com que naturalmente criemos mais afinidade com ela, mas isso não anula o fato do quão incrível ela é e como a autora conseguiu transformar uma personagem fictícia em alguém tão humanizada. Eu poderia falar mais sobre o Franklin, mas não vou perder meu tempo aqui. Ele é odioso, mas não deixa de ser igualmente bem construído e é desesperador acompanhar sua trajetória de namorado perfeito apaixonado, a pai babaca partidário, passando por marido tóxico.
Já o Kevin é um espetáculo à parte. E eu PRECISO que vocês leiam pra entender exatamente do que eu estou falando. Ele sempre rouba a cena com suas atitudes de desinteresse, com sua mente inescrutável e seus comportamentos cruéis. Ele dá seu show de horrores e, como ele mesmo afirma, somos apenas a plateia. E observamos horrorizados, mas hipnotizados.
É um livro que nos apresenta uma família disfuncional, uma sociedade disfuncional, e pessoas disfuncionais, que mesmo em meio a tanto caos encontram uma forma harmoniosa de coexistirem apesar dos gritantes absurdos da vida.