Helder 10/02/2012Preciso me livrar de KevinHá tempos queria ler este livro, mas não imaginava que a experiência seria tão dolorosa.
Foram 6 dias sofrendo junto com Eva. Nunca havia lido um livro que descrevesse sentimentos de uma maneira tão arrasadora. Entramos na mente de Eva, e quando vamos ver, Eva e Kevin estão dentro de nós. . É dificil acreditar que esta estória não seja real. Me pergunto até agora como que a autora conseguiu criar personagens tão reais.
Eva era uma mulher bem sucedida em suas aventuras, e que por um amor extremo a seu marido, resolve embarcar numa nova aventura: Ser mãe. No inicio do livro temos muita raiva de Eva. Seus motivos para ter um filho parecem muito fúteis. É exótico; não se sentir só; se seu marido morrer, ter alguém para contar e para sofrer junto; porque todo mundo tem filho, então também devemos ter um.
Mas após ficar grávida, ela começa a se perguntar se realmente era aquilo que queria, e parece que vai ficando mais sórdida.
Já reparou quantos filmes retratam a gravidez com uma infestação, uma colonização sub-repticia? O Bebe de Rosemary foi só o começo. Em Alien, um extraterrestre nojento sai da barriga de John Hurt... Nos filmes de horror ou de ficção cientifica, o anfitrião é consumido ou despedaçado, reduzido a uma casca ou resíduo para que alguma criatura de pesadelo possa sobreviver
Desculpe, mas não fui eu que inventei estes filmes, e qualquer mulher cujos dentes tenham apodrecido, cujos ossos tenham perdido massa, cuja pele tenha ficado marcada sabe o alto preço que tem de pagar por levar um sanguessuga durante nove meses dentro da barriga
Durante o tempo todo que estive grávida de Kevin, combati a idéia de Kevin, a noção de que eu havia sido rebaixada de motorista a veiculo, de proprietária para o imóvel em si. (todos trechos da pagina 76).
Para mim que sou pai, e cuja experiência junto a minha mulher foi algo maravilhoso, dá uma raiva tremenda ler algo assim. Às vezes dava até vontade de parar a leitura. Mas sou teimoso e continuei, e ai chegou Kevin. Aquela criança extremamente chata. Nada lhe fazia feliz, e por incrível que pareça, desde pequeno ele parecia ter duas caras. Com a mãe era um capeta. Com o pai, era uma criança maravilhosa.
Mas como aceitar que seu filho seja mal? Franklin, era completamente cego de amor por aquele menino. Eva não tinha a mesma sensação, mas mesmo assim, não conseguia acreditar que seu próprio filho tivesse uma maldade inata.
Mas o tempo vai mostrando os sinais. E isso vai nos afetando. Os mapas, acidentes com vizinhos, jogar pedras em carros na estrada, masturbações com a porta aberta.
Mas Eva ainda tinha uma dúvida: O que era sentir amor materno? E ela decide tentar de novo. E vem a meiga Célia, e com ela, Eva consegue realizar aquilo que faltava para sim. Ela mostra que não é só frieza. Mas Kevin lhe avisa: Você vai se arrepender.
No capitulo dos mapas, eu quis matar Kevin. Aos meus olhos, Eva foi redimida de todos os seus pecados após aquilo. Mas a autora queria muito mais, e nos leva ao fundo do poço junto com Eva. E ao chegarmos ao final, não tem como não ficar com lágrimas nos olhos. Por tudo o que Eva perdeu.Pelo amor de Eva e Franklin. Por não sabermos o real motivo, ou, no meu caso, acreditar que no fundo o motivo de tudo tenha sido Amor. O mais estranho amor, mas com certeza um amor.
O depoimento de Kevin no documentário me disse isso.
Não tenho o talento de Lionel Shriver para descrever sentimentos, portanto só posso dizer uma coisa: Se para você, um livro é mais do que pura diversão. Se você busca talento e algo que traga uma mudança para sua vida, este é o livro. Algo incorporou em Shriver para escrever este livro. E isso vai ficar em você.
Após 6 dias de via crucis, terminei o livro e me senti órfão. Que vontade de abraçar Eva em toda a sua solidão e deixá-la chorar muito. (Tenho a impressão que em nenhum momento do livro ela chora). Que vontade de receber as respostas de Franklin. (Como pai, chorei muito ao imaginar a sua cara de frustração ao perceber o quanto sonhara com a America Ideal). Que vontade de abraçar Kevin e fazê-lo perceber que tudo podia ter sido diferente e que existem maneiras muito mais simples de demonstrar um amor.
Como pano de fundo de tudo isso, um terrível estudo sobre os crimes juvenis nos EUA. Parece que de vez em quando ouvimos falar de algo assim, mas as estatísticas reais são muito mais assustadoras.
Para encerrar meu ciclo de Kevin , e tentar retirá-lo de meu pensamento, fui assistir ao filme. Não chega aos pés desta obra prima que é o livro. Lá, não encontrei os sentimentos diversos que existem aqui. Ficou tudo reduzido a só maldade.
Mas não foi isso que o livro me passou. Leia a tire suas próprias conclusões. Este não é um livro para resenhas. É um livro para fórum, pois dá vontade de discutir cada pagina.
Parabéns a Editora Intrínseca, que dessa vez não fez propaganda enganosa e ao trabalho incrível de tradução de Beth Vieira e Vera Ribeiro. É a primeira vez que vejo um livro com dois tradutores. Só pode mesmo ser um grande texto!