Range 23/12/2014
Coincidências, muitas coincidências.e doses de auto-ficção
Considero 'O Caderno Vermelho', de Paul Auster um pequeno romance dividido em 4 capítulos com vários sub-capítulos dentro deles. Nele, o narrador (que se denomina como o próprio Auster) nos apresenta várias pequenas histórias curiosas da vida do próprio autor, de algum amigo, ou simplesmente algo que lhe contaram, em todas se destacam o fator do acaso e das coincidências improváveis. Algumas mais casuais, como um amigo que busca um livro raro e ao encontrar uma desconhecida lendo-o, esta lhe dá o livro de presente e outra de uma amiga que entrou em trabalho de parto ao assistir metade de um filme e anos depois aconteceu a mesma coisa após assistir a outra metade do mesmo filme, até as mais sérias, como quando, na infância, Auster salva uma amiga de sua irmã de ser atropelada ao escorregar no gelo ou a morte de um colega de acampamento após ser atingido por um raio ao tentar atravessar uma cerca.
Buscando emular uma espécie de caderno de confissões, o autor cria uma auto-ficção, onde não se sabe até onde as histórias são reais e/ou inventadas. Desde o subtítulo do livro "Histórias reais" até o narrador, que no primeiro caso contado, em que o nome de uma agência de advocacia remete a uma piada pronta ('Argue e Phibbs' Trad: 'Argumentar e contar lorotas'.), temos a tentativa do narrador de ludibriar o leitor e dar veracidade às histórias, o narrador diz:
"Essa é uma história real. Se alguém duvida, que visite Sligo e veja com os próprios olhos se é invenção minha ou não." (AUSTER, 2002, p. 9).
Essa ferramenta retórica perpassa outros momentos do livro, buscando pela provocação dar autenticidade a narrativa.
No sub-capítulo 13 do capítulo 1, Auster parece nos dar pistas para compreender seu romance, mesmo que ainda não se conheça seu estilo narrativo, neste capítulo é contada uma história que revela o processo criativo do primeiro romance de Auster, 'Cidade de Vidro', marco da meta-ficção norte-americana, em que o personagem principal Quinn é confundido com um detetive chamado Paul Auster; segundo o narrador-personagem de 'O Caderno Vermelho, essa história realmente aconteceu com o Auster autor, o que o inspirou a escrever o romance e termina o sub-capítulo contando que anos após a publicação de 'Cidade de Vidro' tornaram a ligar para Auster por engano procurando um certo Quinn, fato que deixou o autor estarrecido. Ao nos contar de seu processo criativo, o autor nos dá uma dica do livro que estamos lendo, a de não crer totalmente em sua veracidade. Mas quase que para nos ludibriar dessa ideia, novamente o narrador termina apontando a legitimidade da obra:
"Isso realmente aconteceu. Como tudo o mais que escrevi neste caderno vermelho, é uma história verídica." (AUSTER, 2002, p. 46).
No último capítulo do livro, denominado "NÃO SIGNIFICA NADA", Auster arremata o romance com três sub-capítulos em que conta três histórias que se ligam de maneira improvável. O romance é, enfim, uma celebração às pequenas-grandes coincidências e improbabilidades da vida, e o tom realístico da obra ajuda a impulsionar essa bela ideia de que tudo está interligado. As histórias de 'O caderno vermelho' podem ser verdadeiras ou arrematadas por um toque ficcional, desde que sejam boas, e são.