Gisele @abducaoliteraria 22/09/2018Ao iniciar O Aprendiz de Assassino, me reencontrei com Robin Hobb, a autora do ?amor à primeira história?. O Navio Arcano continua sendo o meu livro favorito dela, mas este me trouxe uma experiência diferente, ao mesmo tempo em que reforçou as características que mais gostei com relação a sua escrita: a narrativa detalhada, capaz de descrever cenários e sentimentos com muita precisão, além do seu dom para construir personagens. Principalmente os odiosos.
Em O Aprendiz de Assassino acompanhamos a jornada do jovem Fitz desde quando ele era um garotinho. Narrado em primeira pessoa, as primeiras lembranças de Fitz são um tanto nebulosa. Ainda assim conseguimos compreender tudo o que acontece no momento que ele surge como o bastardo do Príncipe Cavalaria e abala toda a sociedade dos Seis Ducados. Seus cuidados são resignados a Bronco, o fiel cocheiro de seu pai, e durante muito tempo ele é ignorado e tratado como invisível, vivendo entre os cães nos estábulos da corte. Isso mudo quando ele é notado pelo Rei Sagaz, que imediatamente começa a traçar planos para a vida do garoto. É aí que o nome do livro começa a fazer sentido.
Robin Hobb se dedica bastante construindo o seu mundo e uma das características mais interessantes está relacionada ao nome dos personagens. Uma das tradições entre a nobreza é batizar suas crianças com um nome que sugira virtude ou habilidade a fim de influenciar sua personalidade e o seu papel perante a sociedade. Nomes como Cavalaria, Veracidade, Paciência, Sagaz e Majestoso são exemplos disso. O mais intrigante é perceber o quanto cada nome faz jus à principal virtude daquele que o leva, como se algum tipo de mágica estivesse relacionado a isso.
?Um governante deve ser de todo o seu povo, porque um homem só pode governar o que conhece?.
Os personagens são apresentados e desenvolvidos através de nuances que os tornam muito consistentes. É difícil gostar e confiar pra valer neles por conta de sua complexidade, então você opta por conhece-los aos poucos, sabendo que poderá se surpreender tanto de forma positiva quanto negativa. E isso é espetacular, porque na realidade as pessoas não são exatamente assim? Em contrapartida, é possível odiar com muita intensidade vários deles (Majestoso rima com odioso, e isso não é coincidência). Para um leitor como eu, que ama desenvolvimento de personagens, o nervoso que eu passo com os embustes acaba valendo a pena, visto que você também pode se deliciar tentando compreender e decifrar o restante deles.
Mesmo que durante sua jornada Fitz encontre pessoas que o querem bem, ele é um personagem solitário, que desde muito pequeno foi obrigado a conviver com os seus medos e enfrentar sozinho os seus problemas. Ele vive constantemente sendo testado, sendo tratado com muito desdém por ser o responsável por manchar o nome de seu pai, que até então era impecável. Da maneira como Robin Hobb escreve, é impossível não se ver sob a pele do personagem, vivenciando todas as suas angústias. É o tipo de personagem que você se apega e com muita facilidade se vê torcendo para que tudo dê certo, mas é claro que não é isso o que acontece.
?São tempos difíceis, rapaz, e não sei se algum dia irão acabar?.
A parte mais interessante da história fica a cargo da invasão dos bárbaros dos Navios Vermelhos, quando eles começam a atacar a costa e coisas muito estranhas começam a acontecer. Entre elas, a forma com que esses bárbaros lidam com os seus reféns. É melhor que eles sejam mortos do que devolvidos, porque quando são libertados já não são mais os mesmos. Sim, vou me abster de explicar melhor sobre isso, porque a graça está em descobrir tudo durante a leitura. Porém, declaro que essa foi a parte que mais me deixou curiosa e instigada pela história, e acredito que foi por causa desse mistério que eu a devorei com tanta intensidade.
O mundo apresentado aqui por Robin Hobb é bem diferente daquele que vi em O Navio Arcano, mas podemos identificar através de algumas referências sutis que ele é o mesmo. Sei que comecei pela ordem errada e por enquanto não identifiquei problemas nisso, entretanto pretendo finalizar A Saga do Assassino antes de continuar a trilogia dos Mercadores de Navios-Vivos para me privar de algum conflito futuro.
Apesar da narrativa da autora seguir o estilo que eu mais gosto, não posso negar que há partes bastante lentas aqui. Acredito que O Aprendiz de Assassino seja uma boa introdução ao seu universo e a Fitz, mas as coisas ficam agitadas de verdade na reta final da história, quando Fitz é obrigado a colocar em prática todo o seu treinamento e percebe que ele está lidando com pessoas muito mais inteligentes do que ele. A última parte do livro foi simplesmente de perder o fôlego.
Como o primeiro livro de uma trilogia, O Aprendiz de Assassino eficientemente cumpre o seu papel. Me apeguei aos personagens e fiquei muito intrigada com o sistema de magia e o universo. Já estou mega ansiosa para continuar acompanhando a jornada de Fitz, mesmo com a vaga noção de todo o sofrimento que está por vir. Por favor Robin Hobb, tenha piedade de mim!