Marydalle 11/11/2023
O Imoral, vivendo na época da "inocência"
IV
PROJETO DE PREFÁCIO PARA AS FLORES DO MAL
(para juntar talvez com antigas notas)
Se alguma glória há em não ser compreendido, ou em apenas sê-lo muito pouco, posso dizer sem vangloriar-me que por este pequeno livro, eu a adquiri e mereci de uma só vez. Oferecido várias vezes seguidas a diversos editores que o rejeitavam com horror perseguido e mutilado, em 1857. em sequência a um mal-entendido muito estranho. lentamente rejuvenescido, acrescido e fortificado durante alguns anos de silêncio,desaparecido novamente, graças ao meu descuido, este produto discordante da Musa dos últimos dias, ainda avivado por alguns toques violentos. ousa enfrentar hoje pela terceira vez o sol da tolice.
Não é culpa minha, é a do editor insistente que se julga bastante forte para enfrentar o desgosto público. "Este livro ficará sobre toda a vossa vida como uma nódoa , predizia-me,desde o começo, um de meus amigos que é um grande poeta. De fato, todas as minhas desventuras lhe deram, até hoje, razão. Mas eu tenho um desses bons temperamentos que tiram um gozo do ódio, e que se glorificam no desprezo.
O meu gosto diabolicamente apaixonado pela besteira me faz encontrar prazeres particulares nos disfarces da calúnia. Casto como o papel, sóbrio como a água, levado à devoção como uma comungante, inofensivo como uma vítima, não me desagradaria passar por um devasso, um bêbado, um ímpio e um assassino.
O meu editor acha que haveria alguma utilidade, para mim como para ele, em explicar por que e como fiz este livro, quais foram o meu objetivo e os meus meios, o meu designio e o meu método. Tal trabalho de crítica teria sem dúvida alguma possibilidade de divertir as mentes amorosas da retórica profunda. Para esses, talvez eu o escreva mais tarde e o faça tirar numa dezena de exemplares. Mas, examinando melhor, não parece evidente que essa seria uma tarefa totalmente supérflua , para uns como para os outros, visto que uns sabem ou adivinham, e os outros jamais compreenderão? Para insuflar no povo a Inteligência de um objeto de arte, tenho um medo muito grande do ridículo, e temeria, nessa matéria, igualar aqueles utopistas que querem, por um decreto, tornar todos os franceses ricos e virtuosos de um só golpe.
E,além disso, a minha melhor razão, a minha suprema, é que isso me entedia e me desagrada. Acaso se leva a multidão aos ateliês da figurinista e do decorador, ao camarim da atriz? Mostra-se ao público enlouquecido hoje, indiferente amanha, o mecanismo dos efeitos especiais?
Explicam lhe os retoques e as variantes improvisados nos ensaios, e até que dose o instinto e a sinceridade estão mesclados às rubricas e ao charlatanismo indispensável no amálgama da obra? Revelam-the todos os retalhos, os disfarces, as polias, as correntes, os arrependimentos, as provas improvisadas, em suma, todos os horrores que compõem o santuário da arte?
Aliás, esse não é hoje o meu humor. Não tenho desejo nem de demonstrar, nem de causar espanto, nem de divertir, nem de persuadir. Tenho os meus nervos, os meus vapores. Aspiro a um repouso absoluto e a uma noite contínua. Cantor das loucas volúpias do vinho e do ópio,só tenho sede de uma beberagem desconhecida na terra, e que nem a farmacéutica celeste poderia me oferecer; de uma beberagem que não contivesse nem a vitalidade,nem a morte, nem a excitação, nem o nada. Nada saber. nada ensinar, nada querer, nada sentir, dormir e dormir ainda, tal é hoje o meu único voto. Voto infame e nojento, mas sincero.
Todavia, como um gosto superior nos ensina a não temer nos contradizer um pouco, reuni, no fim deste livro abominável, os testemunhos de simpatia de alguns dos homens que mais prezo, para que um leitor imparcial possa daí inferir que não sou absolutamente digno de excomunhão e que, tendo sabido fazer-me amar por alguns, o meu coração, o que quer que tenha dito não sei que trapo impresso, talvez não tenha "a espantosa feiura do meu rosto".
Enfim, por uma generosidade pouco comum, de que os senhores críticos...
Como a ignorância vai crescendo...
Eu mesmo denuncio as imitações...
"O povo se doeu em demasia...
Baudelaire acertou em cheio na condução do poema, citou Deus(Paraíso) , Diabo(Inferno), o erotismo, o amor, a morte, retratou muito bem os humanos e sua decadência, a realidade é tão difícil de ser aceita que é necessário censurar, sendo que ninguém é obrigado a comprar, pegar escondido ou ler, mas desde quando os humanos facilitam? "