Marselle Urman 14/09/2020
A improvável inconsequência
Relendo as crônicas Mayfair, pelo menos uns 15 anos depois de meu primeiro encanto.
É natural que essa releitura seja mais crítica, mais cética, mais cínica. Surpreendo-me, assim, com meu renovado deleite.
Sabendo que estamos lidando aqui com fantasia livre - as ditas bruxas, seus poderes, seu misterioso servo espírito...muito sobrenatural e pouca explicação, como é melhor mesmo no caso de coisas tão inventadas - mesmo assim o sentimento foi o mesmo de anos atrás. E aí mora o mérito.
Assim como Jorge Amado me faz querer ir à Bahia, Anne Rice me faz querer ir a New Orleans.
Considero os Mayfair (e alguns volumes das crônicas vampirescas) como Rice em sua melhor forma, é essa forma é muitas vezes puramente estética. Mas que deleite estético, esse. A casa de First Street. O calor opressivo, as plantas abundantes, a decadência pantanosa. O mistério que cerca todas aquelas mulheres, tão díspares, geração após geração. Seus impérios em decadência, sua dependência não assumida de Lasher.
Rice tem o dom de pintá-las, todas, em cores vivas. Especialmente aquelas do passado, pois esse livro na minha opinião ganha corpo da metade para a frente. A contemporânea, Rowan, é mais datada - em cerca do ano 1990 - que suas antecessoras, e seu encontro romântico me parece patético, dois improváveis afogados se agarrando um ao outro como tábuas de salvação. Ele, sabemos, se tornará depois mais uma figura meramente decorativa...ainda avaliarei o quanto isso me parecerá deliberado pela autora, ou não. Caso positivo, mérito para ela nessa minha atual interpretação.
A improvável instância chamada Talamasca é sempre tão irresistívelmente sedutora. Aaron Lightner, assim como David Talbot, são personagens tão deliciosos que dá vontade de guardá-los numa caixinha. Bem, Lestat fez isso, de certa forma...maravilhoso Lestat.
É disso que estou falando: ela te transporta. Ela te tira do aqui e agora, do despertador pra acordar pro trabalho e dos boletos pra pagar, e te deixa apaixonado por Lestat de Lioncourt, por Stella e Julien Mayfair. Esses seres feéricos.
Esse tipo de deleite estético e inconsequente é que me causa essa delícia na releitura, tanto tempo depois.
Caraguatatuba, SP. 14/09/2020.