Camis 09/10/2013O quão louco você é?
Em 1967 ser louco era algo comum. Um homem depressivo era louco. Uma mulher que ficasse com vários homem era louca. Uma garota que se apaixonasse pelo seu professor de inglês era louca. Qualquer um que discordasse nas normas comportamentais que a sociedade ditava como adequadas era taxada de louca e, não muito raramente, internada em um hospício. É exatamente este o caso de Susanna Kaysen, a garota depressiva e revolucionária que teve um relacionamento com o professor, e acabou tendo sua adolescência interrompida quando foi internada no hospício da cidade.
Por dois anos Susanna Kaysen não sabia dizer se ela era ou não louca. Sim, ela tinha problemas, e muitos deles. Ela também havia tentado se matar, mas havia sido somente uma vez, e Susanna tinha percebido o quanto aquilo não era o que ela realmente queria. E pra finalizar, além de depressiva, ela também era considerada bastante libidinosa, com uma infinidade de namorados, quando a sociedade pregava o pudor. Mas nada disso parecia ser motivo suficiente pra Susanna pra que ela passasse uma parte preciosa de sua juventude dentro de um quarto com janelas celadas.
Em Garota Interrompida, um livro baseado em fatos reais, a autora e protagonista de história, Susanna Kaysen, irá relatar o período em que viveu dentro de um hospício, quando tinha apenas 18 anos, e a experiência de morar com outras garotas da mesma idade que também foram tidas como loucas pela sociedade: Polly, Georgina, Daysi e Lisa, a sociopata mais divertida e menos louca que o mundo já viu.
Com relatos fortes e reveladores, a autora trouxe para as páginas do livro a veracidade e selvageria do mundo não só dentro das paredes do hospício, mas também dentro dos homens que estão do lado de fora. Por dois anos a autora viveu sua vida com o objetivo de se reencontrar, mesmo não sabendo exatamente onde é que havia se perdido. Enquanto recebia diagnósticos falhos ou simplesmente vagos, Susanna ia temendo pela sanidade que ainda lhe restava, afinal, quanto tempo uma pessoa pode viver como louca e não se tornar uma?
O pequeno livro dividido em 33 capítulos, que já virou filme, interpretado pela Angelina Jolie, possui singularidades, como os constantes questionamentos de Susanna sobre sua saúde mental, e ainda a cronologia incerta dos relatos, fazendo do livro um grande mistério que você vai solucionando de pouco a pouco. A honestidade, força de vontade e sanidade brutal das garotas trancafiadas por seus psiquiatras e familiares fazem o leitor refletir sobre a forma como rotulamos uma pessoa e que muitas vezes estamos completamente errado.
Durante a trama conhecemos sociopatas, dependentes químicos, anoréxicos, hermafroditas e, os mais comuns, os depressivos. Todos que, apesar de possuírem loucuras em níveis diferentes, acabam se encontrando no mesmo lugar, sob as mesmas regras, tendo que suportar não somente a própria loucura como também a alheia.
Garota Interrompida me deu uma grande lição: o mundo dos loucos é muito mais seguro que o mundo aqui fora. Lá dentro todos cuidam um dos outros, enquanto aqui é cada um por si. O livro mostra que por volta de 1960 ser louco era tão comum quando ter uma gripe. Para uma sociedade preconceituosa e covarde, aqueles que se destacavam, aqueles que fugiam do padrão, eram perigosos e, portanto, deveriam ser trancafiados para tratarem a sua loucura. Ou seria sua sanidade?
Indico o livro não somente pra quem busca um livro rápido e verdadeiro, mas também para aqueles que queiram entender o verdadeiro valor da liberdade. Liberdade de ir e vir, liberdade de expressão e liberdade de pensar.
"Por causa do meu desmaio em cima do balcão de açougue, passei a associar carne com suicídio, mas sabia que havia mais coisas por trás disso.
A carne estava machucada, sangrando, espremida em uma embalagem apertada. E, por mais que tivesse passado seis meses livre desse pensamento, eu também estava. (Página 48)"
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