Paulo 04/05/2010
Anotações
A TERRA — Nesta primeira parte, EC descreve o palco da epopéia impressionante. Ocupa-se da geografia, da geologia e das intervenções naturais nos processos de ocupação humana do sertão. Em sua proposta científica de análise naturalista, ainda que nos envolva esporadicamente com sentenças hábeis ("Nem um verme — o mais vulgar dos trágicos analistas da matéria — lhe maculara os tecidos"), chega a complementar a classificação climática de Hegel, julgando a caatinga um modelo particular de ambiente.
O HOMEM — A ocupação do solo. A distribuição do povo pelo Brasil. A formação do sertanejo ("antes de tudo um forte", "Hércules-Quasímodo") justifica sua índole. Sua rudeza. Traços históricos; explicações perspicazes. [Reler como história do Brasil.] Sua opinião sobre a mistura de raças ("prejudicial", p. 77). O gaúcho do sul e o vaqueiro do norte: antítese. Antecedentes biográficos de Antônio Conselheiro, "um gnóstico bronco", cuja sombra "condensava o obscurantismo de três raças" (p. 102...). O início da marcha do profeta, cujos ditos, pela natureza, conjugam-se no "permanente refluxo do cristianismo para o seu berço judaico". "Viu a República com maus olhos e pregou, coerente, a rebeldia contra as novas leis." Instalado em Canudos, recebe o afluxo incentivador de turbas deslumbradas. Na paradoxal cadeia de Canudos: "presos pelos que haviam cometido a leve falta de alguns homicídios os que haviam perpetrado o crime abominável de faltar às rezas". Um movimento político? Segundo o autor, o antagonismo à República era só "um derivativo à exacerbação mística", indicando o "triunfo efêmero do Anti-Cristo" antes do iminente "reino de delícias prometido".
A LUTA — A primeira força partiu incauta: diminuta e despreparada ("seguiu a 12, ao anoitecer, para não seguir a 13, dia aziago. E ia combater o fanatismo"). "A natureza toda protege o sertanejo", que vence as primeiras batalhas contra equipes policiais não treinadas para a guerra.
TRAVESSIA DO CAMBAIO — A primeira expedição regular, em janeiro (1897): quase 600 homens e dois Krupps. Massacrada nas trincheiras do Cambaio e em outras refregas. Finalmente, o major Febrônio retira-se. Em Monte Santo, que previra a vitória sobre Canudos, "a população recebeu-os em silêncio".
EXPEDIÇÃO MOREIRA CÉSAR — O triunfo estufou Canudos de novos homens empolgados. Em fevereiro parte expedição com quase 1300 homens. Chegam confiantes ao alto da Favela, já à vista do arraial insurreto. Apesar da grande força, o erro estratégico: "acometendo a um tempo por dous lados, os batalhões, de um e outro extremo, carregando convergentes para objetivo único, fronteavam-se a breve trecho, trocando entre si a bala destinada aos jagunços" (p. 227). Apesar do duro assalto, os sertanejos defendiam com a vida sua terra. Após novos erros (pp. 230-1), Moreira César é mortalmente ferido e o coronel Tamarindo o substitui. Perdidos no arraial, os soldados lutavam cada um a seu modo. Após recuo, decide-se pela completa retirada. Moreira César, pouco antes de falecer, é contra. Sufocada pelos jagunços, a retirada se fez debandada — o próprio corpo do chefe foi abandonado para a fuga! O coronel Tamarindo também morre. Seu corpo será estendido pelos sertanejos, como exemplo, em companhia de dezenas de caveiras, nas proximidades de Canudos.
QUARTA EXPEDIÇÃO — Comoção nacional. "Era preciso salvar a República." Comentário: "Aquele afloramento originalíssimo do passado, patenteando todas as falhas da nossa evolução, era um belo ensejo para estudarmo-la(...). Os patriotas satisfizeram-se com o auto-de-fé de alguns jornais adversos, e o governo começou a agir. Agir era isto — agremiar batalhões". O general Savaget só partiu três meses depois. Uma falha: soldados metiam-se nas caatingas e seus espinheirais vestidos de pano, não do couro apropriado do sertanejo. Mas agora eram cerca de 3000 combatentes, com aparato e organização mais sérios. Só que os sertanejos armaram-se com mais astúcia para a retaliação: entrincheirados, atacavam no escuro e baratinavam a ofensiva. Surpreenderam as forças do governo com "fuzilaria cerrada e ininterrupta". A esperança de Savaget era a convergência de brigadas projetada para o dia 27. Contudo, já em 28, a 1.º Brigada não aparece, mandando, em contrário, pedidos de socorro. O assalto afigurou-se penoso: não havia um alvo rigoroso, e os tiros vinham de todos os lados. Em meio às exíguas possibilidades de novos ataques, fazia-se a debandada dos homens, que, sem mantimentos, não tinham como se refazer. E foram cruelmente acompanhados pelos jagunços, que, à espreita, somavam-se à sede e à fome como algozes daqueles curiosos retirantes. Mas a brigada do general Artur Oscar resistiu. Conquistada a posição, ficou. E novo batalhão surgiu como reforço. Mas um novo assalto não se faria sem novas baixas e excessivos retardamentos, culminando, muitos dias depois, na escassez de provisões e na urgência do socorro aos feridos. Nesse meio tempo, chamou-se o marechal Carlos Machado de Bittencourt, estrategista impassível que percebeu a necessidade de vencer o deserto antes de sitiar o jagunço. Ainda havia algum trabalho e muito heroísmo em Canudos, por parte dos remanescentes da última investida. Mas então já "avançava pelos caminhos a Divisão salvadora".
NOVA FASE DA LUTA — Finalmente "terminara o encanto do inimigo" (p. 355). Derrubam a torre da igreja de Canudos (trincheira valiosa), além de abaterem um líder importante da resistência de Canudos. Os novos vão chegando e encontrando os antigos combatentes numa situação em que o antagonista parecia fragilizado. Atiravam com regularidade, mas das mais de cinco mil vivendas de Canudos (!) também advinham os prantos das mulheres e das crianças... Abatido, o Conselheiro morre em 22 de agosto. (Obs.: mais tarde, à p. 401, diz-se 22 de setembro, o que deve ser o real.) Alguns crentes chegaram a fugir antes que a situação mudasse, a 24 (pp. 366-7). O cerco se procede. "A insurreição estava morta" (p. 370).
ÚLTIMOS DIAS — O imprevisto: "o inimigo desairado revivesceu com vigor incrível" (p. 375). Assim mesmo começaram a cair os prisioneiros, inicialmente em especial mulheres, crianças velhos, quase todos famintos e doentes. Teve então vez a covardia dos vencedores (p. 378...). 28 de setembro: era o fim. Mas Euclides da Cunha anuncia inúmeras vezes o fim — mas anuncia o que seria o fim militar evidente. Contudo os jagunços não eram militares, e não se rendiam, a não ser com a morte. E seu heroísmo sempre impunha a confusão na formação dos assaltantes. Desta forma, conseguiam ainda matar muitos oficiais após o momento em que a "lógica" os deveria ter rendido. Mas Canudos nunca se rendeu. Restavam quatro exíguos combatentes, que pelejaram com ferocidade até sucumbirem, entregando a vida. O final de Euclides é magistral: relata e comenta a busca que se faz do cadáver de Conselheiro, e a transformação de sua cabeça em troféu último da Guerra de Canudos.