Regis2020 05/09/2024
Uma obra grandiosa e importante
"Os Sertões" representa um marco da literatura brasileira e fez de Euclides da Cunha parte da geração de autores considerados precursores das Ciências Sociais no Brasil. Dito isso, o livro possui uma linguagem estilizada, uma voz grandiloquente e um discurso enciclopédico extremamente reprovada por críticos de sua época e vários leitores antigos e atuais, principalmente na primeira parte intitulada "A terra", onde o autor discorre sobre aspectos da paisagem, como o relevo, a fauna, a flora e o clima árido do sertão, fazendo uso excessivo de termos científicos que tornam esse início de leitura bem mais denso. Eu percebi uma diminuição dessa densidade na metade e principalmente no trecho final do livro, mas devo ressaltar que eu apreciei imensamente as descrições dessa primeira parte. E, no geral, a escrita do autor não foi um elemento que tenha me incomodado em demasia. Reservo isso para a segunda parte, intitulada "O homem", onde fica bem claro que o autor tentou tratar os combatentes de Canudos como objetos de estudo das teses do determinismo racial. Essa parte do livro, sim, me incomodou. Apesar de saber e reconhecer que essa teoria, em especial, é fruto de sua época, ainda assim, é impossível ler e não sentir nada diante de tamanho absurdo que já foi amplamente defendido no passado. Ela se concentra em uma análise de Euclides sobre os sertanejos como portadores de desequilíbrios típicos do cruzamento de raças, resultando, segundo ele, em uma situação mental deplorável. Euclides classifica o sertanejo, um mestiço, como pertencente a uma sub-raça "instável", "efêmera", "retardatária" e "próxima da extinção", descrevendo o povo do sertão como uma "raça inferior". Esse termo é utilizado até o final do livro, o que me causou um enorme incômodo durante a leitura. No entanto, ao longo da narrativa, vai ficando evidente que o autor se vê dividido entre as conclusões científicas de sua época e a força e determinação que ele presenciou nos sertanejos durante a resistência contra o exército republicano. Isso fica mais evidente nos trechos finais, onde parece que as opiniões de Euclides sobre os sertanejos evoluíram, mesmo que pouco.
A terceira parte, intitulada "A luta", possui um aspecto muito valioso: nela se concentra um trabalho jornalístico detalhado realizado pelo autor ao denunciar o massacre de Canudos, condenando o exército pelos excessos cometidos e recriminando o nacionalismo exagerado da época ao mostrar a vida cotidiana e realista de uma parte marginalizada do país, onde o povo era tido como fraco e involuído pela elite intelectual e pelos políticos da nova república. Essa foi minha parte favorita de toda a obra. A forma como o autor relata os detalhes do quarto e definitivo embate entre o restante da comunidade de Canudos e o exército é um trabalho jornalístico magistral que ficou como relato histórico de um massacre.
"Os Sertões" é um livro importante, um documento histórico mesclado com a literatura, que, ao longo dos anos, foi continuamente revisitado e analisado por outras áreas, como Antropologia, Sociologia, Geografia e História.
Minha experiência de leitura foi muito boa, por conhecer um pouco mais sobre o caráter crítico e realista da obra. No entanto, senti também um misto de revolta e repugnância pelos pensamentos racistas e xenófobos utilizados por Euclides para descrever e classificar o povo do sertão nordestino.
Recomendo "Os Sertões" como um livro que todos devem conhecer por sua grandiosidade e importância, mesmo que a teoria do determinismo racial, que tanto entusiasmou o autor no momento da concepção da obra, tenha envelhecido como leite.