R...... 04/08/2016
A obra é impressionante, possivelmente a mais dramática da Literatura Brasileira, com um esforço do autor em retratar o ocorrido em Canudos. Isso se traduz em impressões minuciosas sobre o ambiente, o homem e o conflito. Percepções que caracterizam o livro como um estudo sociológico e ambiental.
A parte sobre a TERRA tem algo poético, de desafio ao homem e, entre outras coisas, o que levou o autor a definir o sertanejo como um forte. O texto é orgânico, em um cenário agressivo de provações.
Além de aspectos naturais, Euclides da Cunha tem considerações muito interessantes na relação homem-natureza quando o classifica como um "fazedor de desertos". A observação foi pertinente ao manejo predatório que observou, de sujeição da terra às queimadas, que desgastam o solo e acirram as condições já severas no ambiente. Segundo o autor, o homem é o agente de maior impacto. Aspecto abordado na Parte V sobre a Terra.
Na descrição sobre o HOMEM, destaca-se o texto sobre o sertanejo (aquele que diz que é um forte, talvez o mais conhecido do livro). De fato é um texto coerente e com descrição poética, de valorização no ambiente difícil. Porém, no todo do livro senti a ausência de voz a esse homem. Ele é mitificado com ares heroicos, mas o autor pautou-se apenas em descrições parciais. Como teria sido legal se o Euclides tivesse uma relação mais próxima com os sertanejos de Canudos, revelando não só o que lhe parecia, mas o que desejavam. Talvez pudesse discursar que, antes de tudo, é um povo esperançoso.
A limitação na descrição, no meu entendimento, diminui o homem em sua identidade. Evidenciam-se apenas impressões, que podem ser reduzidas a prejulgamentos errôneos pela falta de interação. O autor, mesmo não sendo sua intenção, faz essa redução ao caracterizar em vários momentos do livro o mesmo sertanejo como inimigo, fanático, louco, adversário e outros termos pejorativos. Aspectos que não se consumam em seu olhar sobre o exército, com quem interagia. Imagina o quanto esse olhar não tenha instigado a opinião publica com o parecer parcial...,
O texto sobre o Conselheiro é também curioso e tem a mesma observação. E se o Euclides tivesse uma entrevista com ele, hein... Seria fabuloso para os registros históricos. Baseado no que havia descrito anteriormente, esse homem sofreu um processo de demonização. Não digo nas palavras do autor, mas no desconhecimento de suas reais motivações, gerando impressões parciais. Olha o caso de outros fenômenos no Nordeste (como os cangaceiros). São elevados a heróis por muitos (como o Lampião, que foi ladrão, assassino, estuprador e bandido, mas existindo até o desejo de construirem estátua para o facínora). Construções segundo um interesse midiático que, no caso de Canudos, se desenrolou em um processo de identidade limitada que culminou em demonização. Será que me fiz entender?
Faltou uma valorização do sertanejo enquanto ser humano, principalmente no desenrolar do conflito. Ah, o livro termina sugestionando uma vitória da humanidade racional sobre os irracionais, onde o corpo do Conselheiro foi desenterrado e decapitado, como triunfo da guerra (eu não disse que esses homens estavam destituídos de sua identidade e reduzidos a algo menos que humano...)
Em uma espécie de loucura, tentei ver o conflito experimentando sensações. Fechei os olhos e imaginei o cenário descrito, principalmente o povo, na alma que o livro limita. Canudos e sua população famélica, com uma esperança nascida da desesperança, de construções precárias, endemias, sofreguidão pela escassez.... Tentei ouvir isso, abrindo os ouvidos para lamentos, imprecações contra o governo, choro de crianças, latido de cães magros, vozerio entre os casebres... De repente, como naqueles desenhos em que vemos apenas os olhos das personagens no escuro, tive uma sensação de um mar desses olhos me cercando, com um vento frio, de acelerar as batidas e causar arrepios... A imaginação. Dei fim à experiência e voltei para o livro tentando reconhecer algo. Loucuras de minha parte, mas importante para me sintonizar com a obra. Euclides às vezes esquece a humanidade desse povo...
A LUTA toma a maior parte do livro. Está mais para um relato ou diário de guerra. E unilateral. O autor traz observações precisas sobre o exército, em números e dificuldades. Em contrapartida, o relato sofre Canudos é superficial e com ares míticos, onde o autor destaca a valentia, a tenacidade, o misturar-se com o elemento terra em rastejo e aparições quase fantasmagóricas, o armamento precário, a religiosidade evocada durante a batalha em cânticos e breves histórias (como a dos doze rapazes em uma expedição para destruir "a matadeira" e os homens e mulheres capturados e degolados). O texto sobre eles é de contemplação e sugestivo a uma opinião de loucura, reduzindo-os a inimigos. Por isso a chacina impiedosa não gerou comoção. A alma parece contemplada apenas no exército, digno representante do povo brasileiro que luta pela pátria contra a turba de fanáticos. Redução que armou os soldados à matança de mulheres, velhos, crianças. O sertanejo é visto como um estorvo a ser aniquilado o quanto antes. Logicamente não são considerações do autor, mas sugestivas no poder das palavras em percepções limitadas ou unilaterais. Outro dia li determinado livro de renomado autor brasileiro do início do século XX e as impressões dele sobre o caso tinham um olhar pejorativo. O porque dessa cultura e visão foi o que tentei deixar claro na resenha, que é apenas uma opinião.
Um destaque dessa parte também é a entrada de Euclides em Canudos (hipoteticamente, baseando-se em relatos, pois não estava nesse evento), onde descreve um cenário aterrador. De morte, hecatombe. Respeito e considero o contexto da época e do conflito, mas reitero que queria ver a entrada e descrição do lugar com o povo vivo.
Essa foi uma releitura da obra. Li a primeira vez no ensino médio, quando foi apresentada em um seminário de Literatura na minha turma no segundo bimestre. Não fazia parte desse grupo, mas fiquei instigado e fascinado com a descrição da romaria no conflito. Aquilo soou de maneira mítica e emprestei o livro para leitura nas férias de julho.
É um livro pulsante, com um relato dramático, de vida e morte nos sertões.