Alane.Sthefany 20/03/2022
A Metamorfose - Frank Kafka
O início de todo livro é fundamental para o seu sucesso, e,
provavelmente, em A metamorfose , Kafka escreveu a primeira linha mais impactante da literatura contemporânea:
?Quando Gregor
Samsa, certa manhã, acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se
em sua cama metamorfoseado em um inseto monstruoso?
Essa única sentença
leva o leitor a imaginar todas as implicações de se acordar diferente,
depois de consideráveis ?sonhos intranquilos?.
[...]
Ah, e preste atenção ao
acordar depois de ler este livro: talvez você tenha sonhos
intranquilos, e certamente não será a mesma pessoa de antes.
PETÊ RISSATTI
[...] ?? Spoiler ??
Minhas Considerações do Livro
Metamorfose (Clássico) ???
Eu chorei lendo esse livro, e não esperava por isso. Mas durante a leitura, me coloquei no lugar de Gregor. Ele que em uma bela manhã, sendo um jovem comum, caixeiro viajante, trabalhador,
que sustenta a falência de sua família, encontra-se metamorfoseado
em um inseto monstruoso.
Senti que ele era como um desconhecido na própria casa, para a sua família, mesmo antes de ser sobrenaturalmente transformado nesse inseto monstruoso, antes mesmo dele sofrer uma Metamorfose.
A família dele me passaram a impressão de que só estavam escorando nele, sendo dependente do Gregor, o explorando, mesmo que o mesmo, fizesse de tudo para o bem-estar da família, que morava em um grande apartamento, mas que ele mal tinha tempo de aproveitá-lo, já que vivia viajando, devido ao serviço e as despesas e dívidas que deveria pagar (até mesmo da família). É notório, a esperança que ele tinha de deixar esse emprego, no entanto, tinha suas responsabilidades e também as da família sobre seus ombros, já que a irmã, era menor de idade e os pais já eram de idade e não tinha tanto robustez e força (segundo Gregor). Mas por incrível que pareça, depois de Gregor sofrer essa Metamorfose, todos eles mudaram suas rotinas, e começaram a se responsabilizar por eles mesmos (do contrário, morreriam de fome e a míngua).
Gregor passa a ser visto pelos outros ? e isso incluía
sua própria família ? como um parasita, uma criatura repulsiva,
nojenta, desagradável e indesejável.
?O parasita da família?
LOURENÇO MUTARELLI
[...]
Fiquei lendo, e vendo o total descaso que eles tratavam o Gregor e me emocionei diversas vezes, porque eu lembrei que isso que eles estavam fazendo com Gregor, reflete muitas coisas (já) vistas na sociedade (seja na escravidão de negros, seja no nazismo, na qual matavam judeus e outros, nos holocaustos ... na época em que esses não eram considerados seres humanos, com direitos iguais aos outros), e nos tempos atuais, reflete o que acontece por exemplo, quando chegamos na fase da velhice. Lembrei-me de uma pregação do Padre Fábio de Melo, sobre essa fase, que nós não temos nada mais a oferecer, no entanto, para aqueles que nos ama, não perdemos o nosso valor e o nosso significado.
A juventude é cheia de obrigações. E como é difícil você ser jovem/adulto e ao mesmo tempo, você não ter o direito de se cansar, de querer dar uma pausa, uma respirada, de um tempo. A gente tem uma agenda tão pesada e apertada, que muitas vezes não temos nem o direito de adoecermos. (Como ocorreu com Gregor, ao atrasar no serviço, e o gerente ir a sua casa)
E a velhice é esse tempo que nós temos o direito de viver essa doce inutilidade. Por mais difícil que seja aceitar essa fase da vida, que todos teremos que passar, não adianta fugir. Mais cedo ou mais tarde, na vida, nós teremos que experimentar esse território desconcertante da inutilidade.
A palavra é pesada, porém é o movimento natural da vida (nascer, crescer, reproduzir, envelhecer e morrer), quando a gente vai perdendo as nossas habilidades e as destrezas da juventude. O nosso vigor, a nossa força.
E muitas vezes pensamos que as pessoas gostam da gente, todavia, muitas só estão, na maioria das vezes, interessadas no que podemos proporcionar/fazer por elas.
E é nessa fase, que descobrimos quem nos ama de verdade, porque só nos ama, aquele que ficará até o fim, que depois da nossa utilidade, descobriu o nosso verdadeiro significado.
Se envelhecermos ao lado dessas pessoas, mesmo depois, de nos tornarmos "inúteis", ainda assim, não perderemos o nosso valor.
Aquela pessoa que olha para você e sabe que mesmo não servindo para muita coisa, ainda sabe que você continua tendo o seu valor e grau de importância na vida dela.
Ele termina o seu argumento assim:
"Se você quer saber se a pessoa te ama de verdade, é só identificar se ela seria capaz de tolerar a sua inutilidade.
Quer saber se você também ama alguém?
Pergunte a si mesmo, quem nessa vida, já pode ficar inútil para você, sem que você sinta o desejo de jogá-lo fora, pois só o amor nos capacita a cuidar do outro até o fim.
Feliz aquele que tem ao final da vida a graça de ser olhado nos olhos e ouvir a fala que diz:
Você não serve (mais) para nada, mas eu não sei viver sem você."
[...]
Amei os comentários e pontos de vistas de outros leitores do livro (todos eles eram também escritores), e separei as partes que mais gostei. ???
[...]
Em determinada altura, quando fica claro à família Samsa
que não verá de novo Gregor como ele sempre foi, o protagonista
deixa de ser chamado de ?ele? (er ) e passa a ser tratado de ?isso?
(es ) pelo narrador, que representa a visão que o mundo tem do metamorfoseado Gregor; no entanto, o leitor sabe que, em seu
íntimo, Gregor é a mesma pessoa, como se aprisionado naquele ser
temido, semelhante ao príncipe transformado em Fera do conto de
fadas francês, mas sem o poder e a ferocidade do nobre; o que lhe
resta é aceitar as sobras da família, os restos de comida, de
atenção, de afeto, de respeito. Gregor é reduzido à condição de
bicho pelos demais, relegado aos cantos da casa, escondido das
vistas das pessoas, retirado do convívio e, pela falta de voz e de
significância, aos poucos também se animaliza. Mas a essência do
ser humano ainda permanece nele, e por meio de suas emoções, ao
final do texto, o personagem revela ao leitor que o homem ainda
está ali.
PETÊ RISSATTI
[...]
Os leitores de A metamorfose (1915) deparam, desde o início da
novela, com a transformação fabular do jovem caixeiro-viajante
Gregor Samsa em um inseto repugnante, que sofrerá ainda mais
com o jugo que a família lhe impõe. A animalização de seres
humanos e a antropomorfização de animais também seriam
utilizadas por Kafka em ?A pequena fábula? (1920), breve narrativa
que pode ser tida como uma verdadeira síntese do universo
kafkiano :
?Ah?, disse o rato, ?o mundo torna-se cada dia mais estreito. A
princípio era tão vasto que me dava medo, eu continuava correndo e
me sentia feliz com o fato de que finalmente via à distância, à direita
e à esquerda, as paredes, mas essas longas paredes convergem
tão depressa uma para a outra que já estou no último quarto e lá no
canto fica a ratoeira para a qual eu corro?. ? ?Você só precisa
mudar de direção?, disse o gato e devorou-o.
?Há esperança, mas
não para nós?.
FLÁVIO RICARDO VASSOLER
[...]
Como Kafka escapou desse corpo que nos disseram ser o
nosso?
Toda a sua obra não fez senão que isso: escapar desse corpo.
Uma das poucas novelas publicadas em vida, em 1916 irrompe,
deitado sobre as costas duras como couraça , Gregor,
metamorfoseado num inseto monstruoso. Mas como convencermo-nos dessa potencia metamórfica se Gregor, esmagado por um corpo
denso e largo sobre patas finas e incontroláveis, mostra-nos tão
somente o abandono, a solidão e a fragilidade na qual encerra-se e
na qual é deixado, dado a estranheza, a feiura e o medo que
provocava em toda a ?espécie humana??
(...) sua forma inseto, monstruosamente destruída pela
espécie humana.
Ler ou reler um clássico implica não somente em conhecer o
contexto desse autor e de sua obra (na maior parte póstuma). Mas
também deixarmo-nos tocarmo-nos pela força daquilo que depois de
cem anos ainda hoje nos interroga. Desalojando-nos de nossos
assentos.
Isso que nos toca está presente em toda a nervosidade que
percorre a sua narrativa. Nervosidade essa que em nada depende
do suspense. Já que desde a primeira linha de seu texto sabemos
que numa manhã um jovem comum, caixeiro viajante, trabalhador
que sustenta a falência de sua família, encontra-se metamorfoseado
num inseto monstruoso.
De onde vem então essa nervosidade que ainda nos toca,
pungente, presente ao longo de todo o texto?
Estaria ela na angústia desse homem cujo corpo vai pouco a
pouco alterando os seus movimentos, a sua possibilidade de estar
no mundo que lhe pertencia, de mexer a cabeça, ou de poder ou
não ainda falar? Curiosamente sua comunicação com a espécie
humana não se interrompe, porque de algum modo ele, em nenhum
momento, deixou de ser Gregor, mesmo sendo também, e ao
mesmo tempo, aquele ?inseto horroroso?. O que se interrompe de
fato é a comunicação da espécie humana com a sua espécie ?
metamórfica, que a partir de uma manhã passa a abrigar Gregor e o
inseto desconhecido no qual ele subitamente se transformou num
mesmo e diferente corpo.
[...]
Os estados de sufocação que experimentou Gregor no seu outro
corpo, escondendo-se para não assustar a espécie humana, mesmo
que frágil e inofensivo se sentisse ?ele mesmo?, são hoje estados
cada vez mais cotidianos em nossas vidas. Como se já não
respirássemos todos o mesmo ar.
ANA KIFFER
Quotes e Trechos Preferidos ?????
Bons
livros contam histórias que transformam a nossa vida. Ótimos livros
são aqueles que contam histórias que também se transformam ao
longo da transformação da nossa própria vida.
(Apresentação - OTÁVIO ALBUQUERQUE)
.
?Ah, Deus?, pensou, ?que trabalho penoso fui escolher! Dia após
dia viajando. As agitações comerciais são bem maiores do que na própria sede da empresa e, além disso, ainda me impõem essa
vexação que é viajar, as preocupações com baldeações, as
refeições irregulares, ruins, um convívio humano que sempre muda,
nunca perdura nem se torna afetuoso. Que o diabo carregue tudo
isso!?.
.
?Acordar assim tão cedo?,
pensou ele, ?deixa o sujeito estúpido". A pessoa precisa de seu sono.
.
[...] não esqueceu de se
lembrar, nesse ínterim, que reflexões calmas, inclusive as mais
calmas, seriam melhores que decisões desesperadas.
.
Estou estupefato, estupefato. Considerava o senhor uma pessoa calma, sensata, e
agora de repente o senhor parece querer começar a exibir
estranhas manias. (Gerente)
.
? Que vida quieta a família levava ? disse Gregor a si mesmo
e sentiu, enquanto encarava a escuridão diante de si, grande
orgulho por ter proporcionado aos pais e à irmã tal vida em um
apartamento tão bonito. Mas como seria, se agora toda a
tranquilidade, todo o bem-estar, toda a satisfação tivessem de
chegar ao fim de um modo apavorante?
.
Antes, quando as
portas estavam trancadas, todos queriam entrar para ter com ele;
agora que ele havia aberto uma porta, e as outras tinham sido
obviamente abertas durante o dia, ninguém mais entrava, e as
chaves também estavam do lado de fora.
.
Ali permaneceu a noite toda, que em parte passou em
semissono, do qual era despertado no susto pela fome, mas em
parte envolvido em preocupações e esperanças indistintas que o
levaram à decisão de que, por ora, precisava se comportar com
tranquilidade e, com paciência e máxima consideração pela família,
tornar suportáveis as vexações que ele, em seu estado atual, era
forçado a lhes causar.
.
[...] como não o compreendiam, ninguém
imaginava, nem mesmo a irmã, que podia entender os outros (...)
.
Gregor ganhara tanto dinheiro que teve condições de arcar, e de fato arcou, com os dispêndios de toda a
família. Isso se tornou um costume tanto para a família quanto para
Gregor: aceitava-se o dinheiro com gratidão, ele o entregava com
prazer, mas disso não resultava mais nenhum entusiasmo
excepcional.
.
Parecia ter recordado ao pai
de Gregor que, apesar de sua presente figura triste e repulsiva, ele
era um membro da família, que não podia ser tratado como um
inimigo, e que diante dele valia o mandamento do dever familiar de
engolir a aversão e tolerar, nada mais que tolerar . (Depois de quase matar Gregor, com uma maçã) ??
.
Não quero dizer o
nome do meu irmão na frente desse monstro e, por isso, eu digo:
precisamos dar um jeito de nos livrarmos dele.
(...)
Precisamos tentar nos livrar disso, isso ainda vai matar vocês, é o que vejo. Quando se precisa trabalhar tão duro quanto nós todos, não é possível ainda
aguentar em casa esse tormento eterno.
(Enquanto ele antes se sacrificava pela família sem medir esforços) ??
Você precisa simplesmente se livrar do pensamento de que isso é
Gregor. Nosso verdadeiro infortúnio foi termos pensado assim por
tanto tempo. Mas como isso pode ser Gregor? Se fosse Gregor, já
teria entendido há muito que a convivência de pessoas com um
animal desses não é possível e teria partido por vontade própria.
Então, não teríamos irmão, mas poderíamos tocar a vida e honrar
sua memória.
[...] fora deixado à própria sorte.
Quando terminou a
manobra, começou imediatamente a retornar em linha reta. Ficou
surpreso com a grande distância que o separava de seu quarto e
não compreendeu como, em sua fraqueza, tinha percorrido pouco
tempo antes o mesmo caminho quase sem se dar conta. Sempre
preocupado em rastejar ligeiro, mal atentou ao fato de que nenhuma
palavra, nenhum chamado de sua família, o perturbava. Apenas
quando já estava à porta, ele virou a cabeça, não totalmente, pois
sentiu o pescoço endurecendo, mas mesmo assim ainda viu que
atrás dele nada havia mudado, apenas a irmã havia se levantado.
Seu último olhar pairou sobre a mãe, que agora havia adormecido
por completo.
(Minutos depois, a irmã o tranca no quarto. Partiu meu coração ele indo em direção a família, e ao som do violino que estava sendo tocado pela irmã, mesmo no estava deplorável que se encontrava, para logo depois, acontecer isso, e voltando sem forças e energia para dentro do quarto, para não atormentar a família) ??
.
O corpo inteiro lhe doía, mas para ele era como
se as dores fossem ficar aos poucos mais e mais fracas, até por fim
desaparecerem por completo.
(...)
Então, sua cabeça se afundou sem que fosse de sua
vontade, e das ventas correu seu último e fraco suspiro.
[No outro dia, quando a faxineira foi ao quarto de Gregor] ???
? Vejam só uma coisa, senhores, ele bateu as botas; está lá
caído, bateu as botas para valer!
? Morto? ? disse a senhora Samsa, olhando para a faxineira
com ares interrogativos.
? É o que quero dizer ? respondeu a faxineira.
? Bem ? disse o senhor Samsa ?, agora podemos agradecer
a Deus. ? Ele fez o sinal da cruz, e as três mulheres seguiram seu
exemplo.
[...] ??
? Bem, a senhora não precisa fazer
caso de como jogar fora aquele negócio que fica no quarto ao lado.
Já está em ordem.
???