Malanovicz 21/01/2015Curti muito "a página da guerra dos livros" A paz romana, ou melhor, petrina, dominante ao longo do dia na biblioteca, cede lugar a batalhas ferozes entre súditos inquietos, passada a meia-noite, que é quando se batem os livros, na disputa entre antigos e modernos. (...) Mas é preciso que estejam desertas, aquelas salas, sem a figura de dom Pedro (...).
Ausente o imperador, os sermões de Vieira cerram fileiras contra os holandeses, dispondo de piques e mosquetes contra o livro de Barleus, que se defende como pode, mediante as poucas flechas, tomadas de empréstimo do vizinho de prateleira Hans Staden, com o qual mantêm fortes vínculos de amizade.
Gregório de Matos Guerra e Cláudio Manuel da Costa, na terceira estante, perseguem, agarram e espancam os esqueletos das academias brasílicas, as histórias da América Portuguesa de Rocha Pita e a militar, de José Mirales, obesas de pedantismo (...).
José de Alencar apeia-se do cavalo de O Gaúcho e ordena o sítio da obra de Teixeira e Souza, na quinta estante, à direita, levando à morte por inanição O Filho do Pescador, com seus fantasmas, esmagados pela destra de Ubirajara. A eles se juntam os gonçalvinos tupis, sob mandato de Y-Juca-Pirama, de olhos fixos na primeira edição de Os Lusíadas, assinada pelo próprio Camões, cinco prateleiras acima - volume a salvo do cabo das tormentas em que naufragam os livros deste século. (...)
Precedido pelo voo do condor, chega, apressado ao cais, o navio de Castro Alves, pronto para quebrar as investidas do rude classicismo de Magalhães, opondo-lhe a sinfonia das vozes de África.
E a cada dia, renova-se a querela (...).
LUCCHESI, Marco. O Bibliotecário do Imperador. São Paulo: Globo, 2013. p.67-68.
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