Livro de Marco Lucchesi mostra as intrigas do Rio de Janeiro na transição do Império para a República através da figura do último bibliotecário de dom Pedro II
Em seu novo livro, Marco Lucchesi revisita antigas paixões. Frequentador, pesquisador e curador de importantes exposições sobre o acervo da Biblioteca Nacional, o escritor homenageia a instituição e faz uma declaração de amor a todos os bibliófilos e leitores em O bibliotecário do imperador.
Lucchesi volta ao mesmo século XIX de O dom do crime, romance em que dialogava com a obra de Machado de Assis. Agora, seu personagem é Ignácio Augusto Cesar Raposo, bibliotecário de dom Pedro II. Este homem real, que foi testemunha dos bastidores do Palácio de Petrópolis e da Corte no Rio de Janeiro, é usado pelo autor como um fio-condutor, para que ele apresente as alterações no tabuleiro de poder e na vida cotidiana do Rio de Janeiro a partir da Proclamação da República.
O bibliotecário do imperador não é, no entanto, um romance histórico típico. A narrativa muito ágil e cheia de referências montada por Lucchesi funciona como um jogo, em que personagens reais, como Ignácio e Pedro II, se misturam a figuras fictícias, como o barão de Jurujuba. O leitor é convidado a percorrer um fluxo de muitas vozes, no qual é tão difícil quanto fascinante discernir o que é dado real e o que é ficção.
Lucchesi tira partido da metalinguagem: o livro é aberto por uma nota de um suposto revisor, que critica o autor. Logo depois dela, vemos uma carta de Ignácio Augusto para Adriano Ferreira, um de seus desafetos. Este documento, que não se sabe se realidade ou ficção, tem a assinatura fac-similada do bibliotecário, pesquisada por Lucchesi em documentos da Biblioteca Nacional e do Museu Imperial de Petrópolis. O narrador de O bibliotecário do imperador só entra em cena depois destas duas intervenções. Ele avisa ao leitor que precisa percorrer um “labirinto de cartas e insultos” para contar sua história e chega a discutir com os personagens ao longo dos capítulos. Tudo é montado para que não se perceba exatamente quem está falando ou em quem se pode confiar, exatamente como ocorria nos tempos de transição entre o Império e a República, época em que vive o bibliotecário Ignácio Augusto.
A obra de Jorge Luis Borges, com labirintos espelhando livros e cidades, é uma das pistas bibliófilas deixadas por Lucchesi. Unamuno, Pirandello e o próprio Machado de Assis também aparecem ao longo das páginas. Figura controvertida, quase anônima e nada épica, Ignácio Augusto é apresentado por Lucchesi como um herói pouco comum, já que é ele quem procura dar destino nobre para a vasta biblioteca que dom Pedro II deixa aqui antes de partir para o exílio na Europa. Ignácio é um protagonista que tem como pano de fundo uma trama apoiada em uma espécie de “vocabulário” presente em edições e bibliotecas – a figura do revisor, as fichas catalográficas, os ex-libris, a conversa do narrador com seus leitores. Elementos que são transformados em personagens nesta trama sobre homens e livros.
O autor
Marco Lucchesi (Rio de Janeiro, 1963) é escritor, poeta, tradutor e membro da Academia Brasileira de Letras. Publicou, entre outros livros, O dom do crime, Bizâncio e A sombra do amado, este último vencedor do Prêmio Jabuti. É professor da UFRJ e da Fiocruz. O bibliotecário do imperador é seu segundo romance.