Analuz 12/07/2020
"Iracema" é, além de um livro clássico, um romance histórico. A obra remonta a fundação do estado do Ceará através da paixão de Martim (primeiro colonizador português da região) com a indígena Iracema, que de acordo com o autor, significa "lábios de mel" (mas que muitos estudiosos apontam ser, na verdade um anagrama para a palavra "América", já que o livro inteiro entrega uma representação da colonização portuguesa no Brasil).
Sendo um dos mais famosos autores do romantismo brasileiro, especialmente em sua fase indianista, José de Alencar traz aqui uma visão idealizada das relações entre europeus e nativos, ignorando a predominância violenta do "homem branco", que trouxe o genocídio indígena em suas caravelas. Cearense, Alencar não poupou referência às paisagens naturais brasileiras. Aqui, este cenário é plano de fundo para nossos protagonistas.
Iracema é uma índia tabajara, uma tribo que, no período em questão, era amiga dos invasores franceses; enquanto que Martim, sendo um português, está associado à tribo dos Pitiguaras, que por sua vez, era inimiga da primeira tribo.
A história começa no determinado dia em que Iracema, ao ser pega de surpresa por um Martim perdido na mata, ataca-o instintivamente, antes mesmo de perceber que o jovem não lhe oferecia real perigo. Arrependida, a garota descrita com uma delicadeza arrebatadora, leva-o para curar seu ferimento à cabana de seu pai, o pajé da tribo dos tabajaras. Muito hospitaleiro, o pajé Araquem cede sua cabana ao rapaz, assim como todos os confortos possíveis, incluindo as mulheres da tribo, à exceção especial de Iracema, pois esta é guardiã do segredo de Jurema (planta com propriedades alucinógenas, cujo composto é utilizado em rituais pelos guerreiros) e, sendo escolhida por Tupã para esta finalidade, deve se manter virgem.
É interessante ver a representação dos modelos do romantismo europeu aqui. Iracema não é uma jovem cristã, e nem teria como o ser, já que estamos tratando de uma história que aborda os primeiros contatos entre europeus e nativos. Ainda assim, existe o apelo à castidade da protagonista, à qual o autor recorre a motivos indígenas para trabalhar em cima.
É claro que os pombinhos se apaixonam, mesmo Martim já tendo uma noiva que o espera em solo lusitano. Assim, nasce uma tentação entre os dois: o amor proibido da jovem virgem indígena com o valente português que está comprometido.
Ao perceber o interesse recíproco de ambos, o chefe guerreiro Irapuã decide se vingar de Martim, já que ele mesmo é apaixonado por Iracema. Então, com a ajuda de seu pai e de seu irmão Caubi, Iracema planeja escoltar Martim para que ele encontre seu grande amigo Poti, o guerreiro da tribo rival à qual ele está associado. Mas em meio a tudo isso, a tensão sexual e o amor proibido entre os protagonistas ficam cada vez mais fortes. Será que ambos resistirão às tentações?
Planejado inicialmente para ser um poema, "Iracema" não deixa de lado a escrita poética, ainda que estruturado em prosa. Alencar retrata a sua visão idealizada das relações entre colonizadores e colonizados, com um final pacífico e 'feliz" nesse quesito.
A leitura, que pode ser vista com maus-olhos por jovens e adultos da atualidade, também não foi muito bem quista na época de seu lançamento. O autor abusa de palavras de vocabulário indígena e notas de rodapé com suas respectivas traduções, o que torna a experiência um tanto maçante.
Por fim, devo dizer que senti incômodo com o papel submisso, e até secundário, da personagem que dá título ao livro. Iracema é corajosa e forte, e isso nos é mostrado desde o início da obra. Mas aos poucos, vemos sua astúcia se esvaindo em detrimento do bem-estar de Martim e o desejo de ficar a seu lado, a ponto até mesmo de considerar renegar os valores de sua tribo. Assim, assistimos a "América" ceder ao conquistador português gradativamente e também presenciamos o surgimento do atual estado do Ceará, à maneira de José de Alencar.
site: http://www.youtube.com/c/AnaluzMarinho