spoiler visualizarIsa Beneti 12/07/2020
Um cômico romance de costumes e de formação de um malandro
Um dos poucos clássicos brasileiros (especialmente do romantismo) cuja leitura realmente me proporcionou prazer, já que sua escrita não é tão "pomposa" como a de José de Alencar e nem tão complexa e cheia de ironias sutis como a de Machado. Muito pelo contrário, Manuel Antônio de Almeida usa uma linguagem mais coloquial e um humor muito exagerado para contar a história do malandro Leonardo.
As memórias têm início antes mesmo do nascimento do protagonista, contando como ele foi gerado: seu pai, também um malandro, conhecera sua mãe na vinda de Portugal ao Brasil após dar uma pisada em seu pé e receber um beliscão em troca. A narrativa segue com a infância de Leonardinho, criado pelo compadre barbeiro (seu padrinho) após a traição de sua mãe e separação de seus pais. A história de Leonardo-Pacata (pai) também é contada concomitantemente à principal: ele acaba se apaixonando por uma cigana, que não lhe dá muita moral, e chega a ser preso pelo major Vigal (a figura de "justiceiro" do Rio, que botava ordem nas súcias cariocas) por estar pelado fazendo parte de um culto africano para tentar conquistá-la. Ao final, Leonardo-Pacata casa-se com Chiquinha (filha da comadre) e tem uma filha.
Voltando para o enredo principal, Leonardo mostrava sua ambição para a vadiagem desde pequeno por meio de suas diabruras, o que era percebido por todos da vizinhança, menos pelos seus padrinhos compadre e comadre, que fizeram de TUDO para tentar colocá-lo nos trilhos: tentaram alfabetizá-lo, colocá-lo na escola, torná-lo coroinha da Sé (igreja do Rio), torná-lo aprendiz de barbeiro e até mesmo arranjar casamento com Luizinha (menina esquisita e quieta que foi o primeiro amor de Leonardo), sobrinha e herdeira de Dona Maria, que se casa com José Manuel. Comadre realizava planos horríveis para tentar endireitar seu afilhado, mas Leonardo só pensava na boa vida e acabou achando a função perfeita para si e para sua vadiagem: virou agregado de uma família!
Apaixonado por uma disputada filha dessa família (Vidinha), o protagonista acaba arranjando confusões após traí-la e é preso por Vidigal, mas o major resolve soltá-lo e torná-lo um de seus granadeiros... O que obviamente não deu certo, logo o anti-herói começou a realizar suas diabruras com o chefe Vidigal, desobedecendo-o. Mais uma vez a comadre tem a função de resgatar seu afilhado, apelando para a convocação de Maria-Regalada, o antigo amor de Vidigal, que o convence não apenas de soltar Leonardo, mas de torná-lo sargento!
O final é surpreendentemente feliz: Leonardo, para se casar com a viúva Luizinha, consegue mudar seu cargo de sargento para as milícias, tornando-se um "sargento de milícias".
É, de fato, uma história muito gostosa e cômica de se ler. Apesar da representação objetiva da realidade, contrária ao subjetivismo do romantismo, o livro ainda conta com características típicas dessa escola, tal como os exageros no humor e na narrativa e as personagens sem profundidade psicológica: muitas delas sequer possuem nome (compadre e comadre), o que mostra como o autor não tinha interesse em torná-las individuais ou complexas, mas em desenvolver figuras caricaturadas. Afinal, o texto é um romance de costume, um dos seus principais objetivos é o retrato histórico, o que é muito bem feito na narrativa, que retrata, mesmo que exageradamente e caricaturadamente, a realidade do período joanino.
Ademais, achei muito interessante e engraçado o tipo de narração utilizada, cujo narrador cômico usa e abusa da interlocução com o leitor e da metalinguagem ao se referir a si mesmo. São comuns frases como "como o leitor sabe" ao se referir a casos já narrados ou "como será esclarecido ao leitor" ao se referir a casos que serão narrados. Nesse último caso de "antecipação" da narrativa, o narrador nos deixa com muita curiosidade para saber como será o desenrolar dessa "novela", o que é algo essencial num romance publicado em folhetim.